26 julho 2016
De repente, outra língua
De repente, outra língua
Há algum tempo o jornal
publicou que “Britânica passa a falar com pronúncia francesa depois de uma
série crise de enxaqueca. Kay Russel conta como foi se descobrir com a chamada
síndrome do sotaque estrangeiro. Doença é uma desordem neurológica que provoca
alterações na fala.”
Eu não resisti a
provocação e...
De médico e louco cada um tem um pouco. James, o
cabeludo, de doutor e doido, tem tudo.
Nosso
protagonista folheava a revista Science na biblioteca do Instituto Moscovita de
Línguas, em Londres, enquanto aguardava o sinal tocar para se dirigir à sala de
aula. Era aluno em aulas de russo. Estava insatisfeito com a vida, com a
profissão de psiquiatra. Pensava em morar em outros países. Foi aí que, leu o
artigo curioso onde uma mulher durante a segunda guerra, sob bombardeio, teve
uma lesão cerebral e subitamente passou a falar norueguês com sotaque alemão.
Eureka! Gritou comprometendo o silêncio
bibliotecário. Eureca significa descobrir, em grego. James descobriu a sua
felicidade. Decidiu ser especialista em distúrbios psicoterápicos ligados à
síndrome do sotaque estrangeiro.
Mudou-se para Newcastle uma cidade medieval a 280
milhas ao norte. Estudou com afinco e depois de pouco tempo pendurou
orgulhosamente o diploma na parede de um consultório em Nova Iorque.
Rapidamente descobriu que o elevador não parava
no seu andar. O elevador funcionava, mas nenhum paciente descia naquele andar.
Apenas 100 casos foram reportados na literatura científica.
O que fazer?
Não adiantaria publicar anúncios no jornal para
aumentar a clientela. Mais pessoas precisariam ser acometidos do mal da fala.
Resolveu agir.
Conseguiu uma licença especial para trabalhar num
centro de pesquisas hospitalares.
James oferecia líquidos brilhantes aos pacientes
esquizofrênicos, injetava substâncias radioativas em diabéticos, ministrava
choques elétricos em cardíacos. Fazia cócegas em quem apresentasse o transtorno
obsessivo compulsivo. Os resultados, porém, só começaram a aparecer quando
começou a praticar cirurgias cerebrais. Especificamente na parte inferior do
córtex somatosensorial, aquele situado entre córtex motorial e o córtex
associativo. Encontrou uma pequena saliência semelhante a uma pinta, um botão.
Este ponto, ao ser pressionado, ligava o paciente em outros idiomas.
O primeiro foi um nova-iorquino branquelo. Sofria
de dificuldade de expressão no âmbito interpessoal. Ao ter o botão acionado
continuou tímido e lento, mas cantou um reggae
em jamaicano legítimo mesmo sem fumar nada diferente.
Outra cobaia foi um baiano perdido na América.
Antes da operação chamou o médico de meu rei. Após a intervenção chamou-o Maradona. O sotaque era argentino.
Praticou muitas
cirurgias. O número de casos com a síndrome do sotaque estrangeiro explodiu.
Começou a ter pacientes na fila de espera do consultório.
O resultado
cirúrgico mais inesperado foi com uma texana. Para o espanto de todos, após o
botão apertado, a mulher ficou silenciosa. Mas gesticulava muito. Passou a
falar a linguagem dos mudos. Em vietnamita!
19 julho 2016
Pânico no banco
Antonio Carlos, sargento do exército, era especialista
em desarme de artefatos, bombas e dinamite. Ganhava um dinheiro extra como
vigilante armado em agência bancária. Nos últimos meses estava excepcionalmente
tenso devido às três explosões em assaltos a bancos.
Aquela terça-feira era dia de pagamento. A
agência estava abarrotada de clientes. Estava convencido que qualquer uma
daquelas pessoas podia ser um assaltante. O moreno claro agarrado na pasta
imitava um office-boy, o velhinho trôpego portava uma espingarda disfarçada de
bengala, a gostosa atraia olhares para deixar o comparsa invisível, o
engravatado fingia preencher formulário enquanto escrevia “isto é um assalto”.
Todos eram suspeitos. Em movimentos rápidos, os olhos controlavam todas as
bolsas, mochilas e pastas executivas.
A mão direita segurava o coldre do revólver
desengatilhado. Um capacete de motoqueiro abandonado ao lado da garrafa térmica
era mais um motivo de preocupação.
Ouviu um clique.
Virou-se assustado para a porta de entrada e
viu uma mulher mal vestida aprisionada na porta giratória.
O detector de metais travou a mulher. A sacola
na mão era duvidosa. Observou que a grife estampada não condizia com as roupas
faxineiras.
Apontou a arma para a porta, recuou dois passos
para se posicionar estrategicamente. Gritou para todos se deitarem no chão.
Acionou o alarme estridente. Esticou o braço na horizontal mirando a testa da
mulher apavorada. Ela deixou a sacola cair no chão, levantou os dois braços e
desandou a chorar em pânico.
O vigilante gesticulava com a arma. Gritava —
Esvazia a sacola!
Ela soluçava em desespero, mas negava
balançando a cabeça.
Uma cliente reconheceu a mulher como sendo sua
vizinha. Com mais curiosidade que medo, arrastou-se para trás de um pilar mais
próximo.
O militar insistiu para que a mulher mostrasse
o que trazia na sacola. Com voz firme avisou que iria atirar quando a contagem
chegasse ao três. E imediatamente urrou:
— Um!
Uma velha deitada em frente do balcão dos
caixas juntou as mãos em prece. — Ave Maria cheia de graça / O senhor é
convosco / Bendita sois vós entre as mulheres / E bendito é o fruto do vosso
ventre, Jesus / Santa Maria, mãe de Deus...
— Dois!
A mulher enclausurada na porta de vidro, num
movimento lento, sem tirar os olhos da arma, agachou-se intimidada. A mão
esquerda para cima implorava clemência enquanto a direita tateava o interior da
sacola.
O sargento esticou ambos os braços na posição
de tiro.
A mulher, tremendo, levantou um vibrador
ligado.
O
tiro acertou o alto da porta estilhaçando o vidro e escancarando o
constrangimento.
11 julho 2016
05 julho 2016
O dia em que o autor botou saia e percebeu a tristeza fêmea
GOSTO AMARGO
De advogada
respeitada entre pisos de granito e poltronas de couro transformaram-me em barata fétida. Minha vingança será afogar-me na
reunião do conselho, bem na sua xícara de café.
TESOURA DAS ESTAÇÕES
O outono pintou
meus cabelos de branco. Ensinei o beabá, tricotei agasalhos e cozinhei frangos.
Família, família, família. Seios, apenas para alimentar. Ventre, para gerar. Sinto
os calorões da idade. Abro a janela e me refresco com um raio de sol sobre o
musculoso jardineiro podando meu passado.
FIM DO ASSÉDIO MORAL
No dia 25 de
dezembro o policial chegou ao vigésimo quinto andar e abriu a porta, nem
precisou arrombar. A negra cortina do escritório balançava ao vento
transformando meio-dia em
caverna. Apesar dos telefones nas dezenas de mesas, o silêncio
era ensurdecedor, ninguém na sala, só uma folha de papel jazia no chão.
Dr. Paulo, o
senhor queria que eu desse meu sangue para a empresa. Conseguiu.
O brilho de um
monitor de computador sugeria ter sido aquela a penúltima janela do morto no
térreo.
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