04 agosto 2015

O amuleto de prata

Nevara na noite anterior. Apesar do sol mostrando os dentes, fazia frio. Muito frio. Andar na calçada congelada era dançar equilibrismo. Só muita necessidade ou ignorância faria alguém andar no comércio da Heimatstrasse naquela manhã. Maurício com joelhos e fundilhos molhados só não engatinhava para não perder a dignidade de vez.

Levantando-se mais uma vez, percebeu que era observado através do vidro da vitrine. Abanou sem graça para as mulheres que formavam uma plateia do lado de dentro da janelona. Arrastou-se mais três minutos até chegar ao trinco da porta da loja. Sentiu-se um náufrago alcançando uma boia flutuante.

Ao pisar no capacho recompôs a postura, ajeitou a mochila e abriu a porta. Interrompendo uma aula de tricô entrou na loja de armarinhos deixando um rastro de pegadas no carpete.

Uma senhora que parecia ser a dona da loja tomou a frente:

– Fühlen sie sich wohl? – O senhor está se sentindo bem?

Maurício ergueu os ombros, inclinou a cabeça para o lado e abriu as mãos espalmadas numa interrogação mímica. Ele não falava alemão. Nem francês nem inglês.

A mulher apontou para uma porta.

 – Möchten sie einen Handtuch? – O senhor quer uma toalha?

Ele repetiu o gesto. Estava constrangido. Era turista. Escolheu a época errada para viajar. Não falava a língua. De calças tão molhadas, parecia mijado. Sentia frio. Estava sem dinheiro num ambiente requintado e repleto de senhoras. O que fazia ali?

Maurício era de Araçatuba, interior de São Paulo. Desde que ganhara a moeda de prata sentia-se o maior felizardo do mundo. Faturou uma grana na loteria. Mais do que comprar um carro, catou a namorada e saiu para viajar o mundo. Inglaterra, França, Espanha, Itália, Alemanha. Até que foi assaltado. Sobrou apenas a mochila.

Na manhã seguinte, antes do café, foi expulso do hotel e a namorada o trocou por um indiano. Precisa registrar a queixa e tentava caminhar até o consulado brasileiro quando recobrou o equilíbrio na loja de armarinhos fazendo o papel de um animal exótico num jardim zoológico.

Uma mulher curvilínea foi até ele com uma enorme toalha aberta num abraço.

Aconchegando-se na toalha e braços murmurou obrigado.

A mulher respondeu “bitte schön” – de nada – numa voz masculina.

Maurício teve certeza. A sorte o abandonara.


Com a mão no bolso procurou o amuleto. Em pagamento, ofereceu a moeda de prata.

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