25 junho 2015

Ilhas, veredas e buritis



Ilhas, veredas e buritis

Eliane Lage

Editora Brasiliense

350 páginas


R$ 27,00 num sebo virtual


Que surpresa boa!

Nesta autobiografia Eliane Lage nos convidou para sentar, ao final de tarde, numa roda de prosa em uma varanda de fazenda. O clima de aconchego do pé descalço, do boi mugindo à distância e do café recém-coado soam um clichê que você só encontra nas palavras acima. Apesar de estreia, a escrita madura, quase poética resulta da leitura de centenas de livros.

Eliane foi uma atriz famosa. Protagonizou os primeiros filmes quando a Companhia Vera Cruz iniciou o cinema no Brasil em 1950. Por isso mesmo imaginei-a, como a caricatura de uma estrela – mulher de origem humilde colecionadora de galãs, vaidosa ao extremo, pródiga e atriz em escândalos amorosos envolvendo sexo e bebidas. Ledo engano. Exatamente o oposto. Ela não é clichê muito menos caricatura.

A família riquíssima e poderosa gostaria que ela se enquadrasse nos padrões da aristocracia, mas ainda adolescente começou a trabalhar com crianças na favela Dona Marta no Rio de Janeiro. Ciente da falta de conhecimentos estudou na Inglaterra. Aplicou muito mais do que aprendeu num retiro de crianças da Grécia logo após a Segunda Guerra. Voltou ao Brasil determinada a trabalhar com menores carentes, entretanto num jantar patrocinado pela família conheceu e se apaixonou por um diretor de cinema. Ele a convidou para ser protagonista de um filme. Casam-se no ano seguinte contrariando a família que desejavam um marido de posses e não um artista de carreira incerta.

Apesar do glamour do cinema procuraram uma vida diferenciada e mais próxima do campo. Em 1956, quando a Vera Cruz faliu mudaram-se para o Guarujá, cidadezinha do litoral de São Paulo e refúgio dos abastados nas férias de verão. A dupla, marido e mulher, montou um antiquário. Ele construiu e vendeu várias casas.

Antes de prosseguir é importante ressaltar o adjetivo riquíssima empregado algumas linhas acima. O tio Henrique Lage foi dono de cinco ilhas na Baía da Guanabara. Morava em uma enquanto noutra construíra o maior estaleiro brasileiro. Comandava a Companhia Costeira de Navegação (aquela dos itas da música), possuía salinas no Nordeste e minas de carvão em Santa Catarina. O parque Lage também era propriedade da família. Tudo foi confiscado pelo governo Getúlio Vargas antes da Segunda Grande Guerra. O que não significa que ficaram pobres.

Mais do que escrever um livro, a intenção de Eliane era deixar um registro da vida e da família para as gerações seguintes. Assim a primeira metade do livro é dedicada à genealogia e às lembranças familiares enquanto na outra metade relata sua irrequieta e interessante vida.

Eliana é da mesma geração dos meus pais, então reconheci algumas passagens ou fatos paulistas que somei a alguns pontos que marcaram a minha leitura:

A avó decidiu viajar para a Europa e levar Eliane. Saíram para fazer o passaporte no Rio. À página 73:

Era um prédio lúgubre no centro da cidade, sob um calor de 40 graus. Perambularam de seção em seção, de negativa em negativa, até chegarem, exaustas, à sala do chefe. O homem calvo e mal-encarado foi logo dizendo, seco: “Uma criança de 8 anos só viaja com o consentimento, por escrito, do pai ou da mãe”. E seguiu-se um diálogo no mínimo estranho: “Mas o pai e a mãe já estão na Europa. Eu vou justamente levá-la para eles”. “Então volte aqui com consentimento por escrito e a menina viaja.” “Não dá tempo. Já comprei as passagens e o navio sai daqui a dois dias. Não tenho com quem deixá-la“. “Não posso fazer nada.” “Pode, sim. O senhor fica com a menina. E eu viajo depois de amanhã.”

Virou as costas decidida e saiu porta afora.

Na cabeça do homem as ideias se atropelavam. Ficar com a menina? Essa estrangeira, que nem falar sabe, é capaz de sumir no mundo. Essas coisas acontecem. Com louco não se brinca. E de um pulo, já no corredor, gritou: “Ei, dona madame! Espera aí! Eu dou um jeito... “ E deu.

Elisabeth saiu triunfante, com o passaporte na bolsa e a neta pela mão.

“A vida é como um jogo de pôquer”, monologava, o olhar de aço vagando janela do táxi afora, “Há ganhadores e perdedores. Ganha o que souber encarar o adversário, descobrir o seu ponto fraco e, na hora certa, blefar.”

Rejeitada pela mãe e com um pai playboy irresponsável estudou em internatos mundo afora. Sentia-se um estorvo, “um problema para os adultos à sua volta”. Conheceu a mãe só aos 11 anos, recebida, sem abraços num frio comprimento. Nas férias seguintes foi convidada a passar um fim de semana na casa da mãe. Com medo de outra decepção: “Só de pensar sentia um frio na barriga, como se tivesse engolido centenas de borboletas esvoaçantes.”

É singular – pág. 236 – a competência com que a autora resumiu a decadência da Vera Cruz e do cinema brasileiro:

Todos os circuitos de cinemas do Brasil afora eram ligados por contratos de exclusividade às grandes companhias produtoras americanas, que se encarregavam da distribuição. Qualquer cinema que quebrasse esse contrato, lançando um filme nacional independente, sofreria um boicote dessas distribuidoras. As companhias cinematográficas nacionais, por sua vez, produziam poucos filmes por ano. Apesar de já conquistarem a preferência do público, além de prêmios no exterior, tinham que, para verem seus filmes exibidos aqui, vender os direitos aos gigantes da indústria cinematográfica americana, que ficavam responsáveis pela distribuição. Era uma batalha inglória. O filme da vera Cruz tornava-se propriedade da Columbia Pictures, que o repassava aos cinemas de todo o Brasil, fazendo parte de um pacote obrigatório de dez filmes americanos classe C e D, enfim, os piores! Então, apesar das filas na frente dos cinemas dobrarem as esquinas, o lucro não ia nem para os donos dos cinemas nem para a Vera Cruz.

Em outra passagem, à página 266, menciona que em 1954 quando nasceu a filha Vivien, mudaram-se para um sobradinho conjugado na Avenida Lavandisca no bairro de Moema em São Paulo. Curiosamente meus pais moraram na mesma Lavandisca em 1952 quando eu nasci. Na mesma época só havia carros importados e caros. Compraram uma exceção, como meus pais: uma caminhonete alemã Hansa Borgward. Mas a frase que mais chamou à minha atenção veio à página 281:

“De volta à praia do Tombo notamos uma certa efervescência. Era a campanha política de Jânio Quadros. O prefeito nos procurou e pediu que o ajudasse me candidatado a vereadora. Tom ( o marido) achou boa ideia, amarrou uma vassoura no jipe, símbolo do Jânio, e eu passei a escrever discursos e a falar de cima de caminhões.” Provocou as minhas lembranças porque esse jipe, cor de laranja, havia sido do meu tio onde passávamos as férias na praia da Enseada, Guarujá.

Há inúmeras deliciosas histórias de cinema, como foram inúmeros os endereços de Eliane, mas ela queria a fertilidade da terra, o bem-estar e o ar puro do campo. Então em 1977, aos 50 anos mudou-se para Pirenópolis no Centro-Oeste goiano onde reside ativa e lúcida até hoje.

         E, felicidade adicional, pós leitura, é que terei a oportunidade de conhecê-la na próxima reunião do nosso clube de leitura.

08 junho 2015

Um dia na vida de um carteiro


Quando prestei concurso para carteiro imaginei que fosse distribuir cartas em bairro de rico. Não neste bairro de ruas enlameadas, repleta de cachorros sujos e barracos sem número. 

Não há caixas de correio. Odeio bater palmas e gritar para entregar os envelopes.

A próxima casa vai ser mais fácil. A porta está entreaberta.

- Ó, de casa. – Bato com os nós dos dedos na porta.

- Ó, de casa – chamo três vezes e abro lentamente a porta.

Não vejo ninguém e avanço uns passos. 

Chama-me à atenção a mesinha na frente do sofá. O tampo é mistura de balcão e cemitério. Quatro pratos empilhados com restos de arroz e ossos de frango. Uma mamadeira caída com leite derramado ressecado. Uma chapinha desgastada.  Um joy stick. Um controle remoto.  O cinzeiro transbordando guimbas está ao lado de três latas vazias de cerveja bem defronte do lado direito do sofá que está mais afundado e onde também há marcas de queimaduras de cigarro. Do lado esquerdo do sofá há um travesseiro indicando que é cama de um dos moradores.

Acima do sofá, na parede há um recorte de página central de revista com o time do Botafogo, campeão estadual de 2006. No prego, logo acima, há um boné provocativo com o escudo do Flamengo.

Dei mais um passo para largar a correspondência sobre a mesinha quando reparei rastros de pneu de bicicleta perto de um par de havaianas destroçadas e um cachorro morto.

Saí correndo.


02 junho 2015

Teoria da conspiração


Não acredite em tudo o que lê, vê e ouve. Quantas vezes nós já ouvimos essa frase?

Talvez uma centena.

Hoje, com a tecnologia acessível, sabemos que tudo pode ser alterado de acordo com as conveniências. Até em filmes caseiros, produzidos por adolescentes cheios de espinhas, os homens voam, tiranossauros são ressuscitados e tsunamis são cenários possíveis.

Antigamente só as grandes potências dispunham de tecnologia de ponta, equipamento sofisticado e pessoal especializado para manipular cenas em grande escala como a chegada do homem à Lua. Aposto que você também acreditou nas pegadas do Neil Armstrong.

Talvez a maior fraude produzida pelos estúdios da CIA sejam as imagens repetidas à exaustão em que o presidente americano é baleado quando acenava para população.

O relatório Warren, agora inteiramente disponível na Internet, comprova detalhadamente que John Fitzgerald Kennedy estava de saco cheio de Fidel, de Khrushchev e de Jackie. Resolveu sumir no mundo. Montou numa Harley Davidson e rumou para uma ilha no sul da Flórida.  


Hoje, de dia passeia na praia com seu cachorro e de mãos dadas com Marylin. À noite joga pôquer com Onassis, Charles Lindberg, Elvis Presley e um assassino de nome Oswald.
 
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