17 março 2014

Sob os escombros

SOB OS ESCOMBROS

Cinthia Kriemler

Editora Patuá

140 páginas contidas numa capa dura

R$ 35,-


Meu primeiro comentário à autora na noite do lançamento foi: “Parabéns. Me deu uma invejinha dessa capa maravilhosa. Há tempos eu não via um livro tão poderoso.”
Muitos leitores não gostam de contos, crônicas e textos curtos porque quando chegam ao prazer, a leitura termina. Consideram as histórias como sexo sem preliminares e de ejaculação precoce. Discordo com veemência.  Comparo a leitura de uma boa coletânea de contos como esta, com sexo de orgasmos múltiplos.
Agradeço à Cinthia, por recuperar em mim o prazer da leitura. Foi o que pensei após ler “Monólogos em desencontro”. Leio muito, mas em grande parte não sou eu que faço as escolhas, é quase como sexo pago.
Eu já conhecia o talento e qualidade da amiga vencedora de tantos troféus literários, mas atendi ao lobo, impresso na requintada capa dura, que uivou exigindo início imediato.
Depois de ler “Filho” pensei com a danada consegue isso? Mistura açúcar e limão com realidade num copo de liquidificador e prepara um suco de pimenta triste?
Em “Vem também”, a autora, num jogo de imagens arremessa o leitor contra a realidade.
O tom confessional impressiona em “De uma casa velha a inquilinos novos”.
Senti vontade de avançar páginas e conhecer mais e mais surpresas, entretanto, ao contrário do sugerido, pela apresentadora Rosana Banharoli, precisei parar para tomar fôlego em “Último clarão”. Caramba!
Em “Eu padre” há suspense, drama, sexo, igreja, mistério, assassinato. Todos os ingredientes são conhecidos , mas Cinthia reuniu-os numa uma obra-prima que provavelmente até Tchekov gostaria de ter assinado.
Respiro fundo para continuar a leitura, certo que não poderia haver nada melhor no livro. Ledo engano. “Dona Antonia” é maravilhoso. Cinthia se supera a cada novo conto.
Em “O rato” confesso que li como um escritor. Prestei atenção na construção e credenciamento do personagem. Observei que o narrador tem o foco apenas no protagonista. O rato é apenas um coadjuvante secundário. A escritora conduz o leitor a questionar qual doença o rato poderá transmitir, porém finaliza a história transformando o personagem central num animal e humanizando o rato. Muito bom.
Eu já estava bem adiantado na leitura do livro. Nem vou externar o conto que eu terminara de ler. Peguei o celular e sapequei uma mensagem para a autora: “Estou evoluindo lerdamente nos seus “Escombros”. Não resisti. Preciso dizer agora: Você é foda. Beijo.”
A apresentadora, com experiência de especialista, garimpou exemplos de frases que demonstram que autora além de contista é também frasista. Acrescento que algumas delas separadas do contexto poderiam tranquilamente ser consideradas minicontos e em outras é forte o sotaque de Moçambique.
Sublinhei:
“Deitei fora, sem remorso, as almas que teimavam em germinar dentro de mim.”
“Um vento doce de outono engravidou minhas cortinas, deixando à mostra, pelos vidros meio sujos, um tapete de folhas arrancadas que convida os pés a um passeio. Mas não são os pés de memória que me carregam para bem longe de casa, para outro outono.”
“Mulheres que amam errado aprendem a enganar a si mesmas.”
Nos dias que vieram, as garrafas não cumpriram o prometido de me fazer esquecer o vazio.”
“Lembrança é vida soterrada.”
“Achou-a tão linda que, ainda no cumprimento, sentiu-se tomado por um abobamento incontrolável.”
“Ouvir os murmúrios dos destroços.”
“Não permitiria que a solidão o encontrasse distraído.”
“O caos é feito de estilhaços. E cada um deles atinge o imprevisível.”
“Estancar o sangue nos pulsos frios numa noite de navalha cega.”
“Excesso de desinteresse”
Quando digo que gosto muito de histórias curtas é porque sou curioso. Como foi que o autor construiu o conto? Como ele conduziu o leitor? Quais artifícios utilizou? Como credenciou os personagens? Quais as pistas que o autor deitou durante a história? Como foi a abertura? E o fechamento? Num romance, ao contrário de textos enxutos, é quase impossível você reler e encontrar as respostas.

Infelizmente foram impressos apenas 100 exemplares desta maravilhosa coletânea que também é um manual que utiliza todos os recursos para compor ótimas histórias.

4 comentários:

Cinthia Kriemler disse...

Meu Deus, Klotz! Presente de aniversário , Natal, tudo junto! Como é que pode você ter conseguido fazer uma análise tão funda de cada conto meu?! É como se tivesse entrado na minha emoção ao escrever cada um, entende? Como se estivesse lá comigo, no teclado. Aforei, adorei! Mas, acima de tudo, quero lhe agradecer pelo respeito com que a sua leitura-análise foi feita. Cada comentário me comoveu e engrandeceu. Não apenas porque foram feitos elogios, mas porque o que você fez foi me doar uma mais do que generosa dose de respeito! Está descendo pelas veias, neste momento, um agradecimento entranhado que ficará para sempre. Obrigada! E vindo de você tem sabor de papa fina, porque a sua estrada é muito mais antiga, pavimentada e sólida do que a minha. Agradeço ter cruzado seu caminho desde que comecei. Saiba que tem aqui uma fã e, agora, também uma eterna devedora... De carinho, de afeto, de respeito! Muito, muito tudo! Beijo na alma!

Silvia Teixeira Almeida disse...

Perfeita análise da obra de uma escritora que é FODA!!!!!
Bjs

cecilia disse...

como não ansiar pela leitura depois disso tudo?

Klotz disse...

Descobri que apesar da pequena tiragem, é possível adquirir exemplares no site da editora Patuá.

 
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