21 fevereiro 2013

Mastigando comportamentos



Inacreditável o que presenciamos.

Fui com minha mulher a uma pizzaria terminar o domingo. Logo depois que o garçom saiu com o nosso pedido observamos o casal que estava sentado à nossa frente. Impossível não observar. Ele falava alto. Tão alto que podíamos ouvir tudo sem nenhum esforço.

Eu e minha mulher nos entreolhamos pela falta de educação do moço. Ele estava monologando sobre o grupo de adolescentes que estava sentado razoavelmente próximo, noutra mesa.

– Nunca vi uma coisa assim. Elas não falam entre si. Cada uma tem um aparelhinho na mão e digitam mensagens.

– Uma coisa incrível. Às vezes digitam e cutucam a vizinha para mostrar o que digitaram. Ou cutucam para mostrar o torpedo que receberam.

– Seguem sem trocar palavras. Riem, gargalham e digitam. Não duvido, pela troca de olhares, que uma esteja falando mal da outra que está na frente e não pode ler o que está na telinha.

Ele até pareceu elevar o tom de voz para dar um recado à mesa das meninas:

– O mundo está perdido com esse avanço da tecnologia. Ninguém mais se comunica nas formas convencionais?

Elas estavam tão entretidas e desacostumadas a ouvir que continuaram o bate-papo virtual alegremente.

O moço criticou as meninas durante dez longos minutos até ser interrompido pela comida que chegara à sua mesa.

Finalmente desligou o celular e se atracou na pizza para iniciar conversa, de boca cheia, com a moça que o acompanhava.

14 fevereiro 2013

Formigas





Astrogildo, 46 anos, casado, pai de 2 filhos, funcionário público, no domingo fez longa caminhada ecológica em fazenda ambiental. Ao fim do dia, na volta, resolveu urinar na mesma árvore que havia marcado na saída. Para sua surpresa, o tronco, no local regado anteriormente, estava repleto de formigas. A princípio achou engraçado e curioso. Depois considerou ser possível conseqüência de açúcar na urina.

O pai era diabético, o avô também.

Marcou consulta e realizou todos os exames.

Na apresentação dos resultados perguntou ao médico:

– Doutor Fernando, estou com diabete?

– Não Astrogildo, sua doença é muito mais grave. Você está com diabetes associada com problemas de língua.

– Como assim?

– Consulte o dicionário. Diabetes sempre tem esse no final.

07 fevereiro 2013

O amuleto

Nevara na noite anterior. Apesar do sol mostrando os dentes, fazia frio. Muito frio. Andar na calçada congelada era dançar equilibrismo. Só muita necessidade ou ignorância faria alguém andar no comércio da Heimatstasse naquela manhã. Ele percebeu que era observado através do vidro da vitrine. Maurício só não engatinhava para não perder a dignidade de vez.

Abanou sem graça para as mulheres que formavam uma plateia do lado de dentro da janelona. Se arrastou mais três minutos até chegar ao trinco da porta da loja. Sentiu-se um náufrago alcançando uma boia flutuante.

Ao pisar no capacho recompôs a postura, ajeitou a mochila e abriu a porta. Entrou na loja de armarinhos interrompendo uma aula de tricô deixando um rastro de pegadas.

Uma senhora que parecia ser a dona da loja tomou a frente:

– Fühlen sie sich wohl? – O senhor está se sentindo bem?

Maurício ergueu os ombros, inclinou a cabeça par o lado e abriu as mãos espalmadas numa interrogação mímica. Ele não falava alemão. Nem francês nem inglês.

A mulher apontou para uma porta.

– Möchten sie einen Handtuch? – O senhor quer uma toalha?

Ele repetiu o gesto. Estava constrangido. Era mochileiro, viajante. Escolheu a época errada para viajar. Não falava a língua. Parecia mijado de calças tão molhadas. Sentia frio. Estava sem dinheiro num ambiente requintado e feminino. De velhas. O que fazia ali?

Maurício era de Araçatuba, interior de São Paulo. Desde que ganhara uma moeda de prata sentia-se o maior felizardo do mundo. Faturou uma grana na loteria. Comprou carro usado, catou a namorada e saiu para viajar o mundo. Inglaterra, França, Espanha, Itália, Alemanha. Foi roubado. Sobrou apenas a mochila. A mulher o trocou por um turco.

Tentava caminhar até o consulado brasileiro quando parou na loja de armarinhos fazendo o papel de um animal exótico num jardim zoológico.

Uma senhora maquiadíssima foi até ele com uma enorme toalha.

Se aconchegando, murmurou obrigado.

A mulher respondeu “bitte schön” – de nada – numa voz masculina.

Maurício teve certeza. A sorte o abandonara.

Em pagamento, ofereceu a moeda de prata.

 
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