22 setembro 2012

O último livro




O último livro

Zoran Živković

Editora Octavo

235 páginas

uns R$ 46,00






É um romance policial que do meio para diante coloca os dois pés numa viagem surreal.

Conta a história da livraria Papyrus onde acontecem sucessivas mortes. Aparentemente de causas naturais. O inspetor Dejan Lukić é designado para investigar o caso. Logo descobrimos que apesar de policial, ele gosta e estudou literatura o que é condição para haver interesses comuns entre a proprietária da livraria Vera Gavrvrilović e o inspetor.

É natural que um homem e uma mulher, de interesses comuns, se atraiam. Estranho é uma mulher que alcançar o sonho de possuir e comandar uma livraria de sucesso não se impressionar com as mortes no estabelecimento, apenas questionar que o movimento pode afugentar clientes e deitar-se com o inspetor como se tudo fosse normal como tomar chá ao final do expediente.

O que eu quero dizer com isso?

É que a ideia da história onde leitores são mortos pelos livros que leem foi atraente para mim. Fiquei muito curioso para saber como isso poderia ocorrer, porquê envenenar leitores, qual o veneno foi empregado. Mas a história se perde em alguns momentos em que a história deixa de ser verossímil em atitudes ou momentos. Em determinado momento desaparecem de cena misteriosamente e inexplicavelmente mais de 30 pessoas das vistas do inspetor e do chefe de polícia secreta. Não há sequer uma tentativa de explicação. A partir desse momento a história afunda num poço de surrealismo.

A conclusão para as mortes não convence.

O que mais me agradou no livro foram os vários personagens leitores da livraria. Clientes assíduos cheios de manias, compulsões e obsessões maravilhosamente incomuns.

Esta foi a minha opinião que não é igual à dos editores, tanto que duas editoras publicaram o livro em português.

Quando finalizei o livro compreendi o comentário, produzido pelo New York Times, anotado na primeira orelha do livro: “Talvez seja prematuro coroar Zoran Živković como o novo Borges, mas sem dúvida o maior candidato.” Não era bem um elogio, mas um aviso que ainda é prematuro coroar o autor.


PS:  Como será que se pronunciam Zes e Ces acentuados?

18 setembro 2012

O arroz de Palma


O arroz de Palma

Francisco Azevedo

Editora Record

366 páginas

Uns R$ 43,00


É uma criativa história de amor. É leitura para quem gosta de refletir e buscar lições sobre os fatos que acontecem na vida familiar. Se o autor fosse rotular o livro empregaria na ficha as palavras da primeira linha da página 337: romance literalmente água com açúcar.

Para alguns isso é ofensa, para outros, elogio. A história em algumas passagens me comoveu. Não cheguei às lágrimas, mas percebi que se os fatos não foram verídicos, foram muito bem narrados e convincentes, eu diria que merecedores de um romance como este que foi escrito por Francisco Azevedo.

Toda a história se desenvolve nas lembranças do narrador enquanto prepara um almoço domingueiro para a família. Por isso mesmo emprega, principalmente no início, metáforas criativas como “família é um prato que emociona”; “temperos exóticos alteram o sabor do parentesco, mas se misturados com delicadeza tornam a família mais colorida interessante e saborosa”; “não existe família à Oswaldo Aranha, Família à Rossini ou Família ao Molho Pardo em que o sangue é fundamental para o preparo da iguaria. Família é afinidade, é à Moda da Casa”. Conforme a narrativa se desenvolve o autor relaxa a guarda e em vez de metáforas criativas abusa de clichês, lugares comuns e ditos populares ao ponto de em uma única página (106) cometer “chutar o balde”; “dou tratos à bola”; “mentira deslavada”; “Quem conta um conto aumenta um ponto”. É perdoado por ser o linguajar que se encaixa no perfil do narrador.

Mas há passagens que merecem destaque como na 218:

– Deus também é de extremos.

– Deus?

– Tens tanta certeza assim?

– Tenho. Hoje, por exemplo. Vi um nascer do sol deslumbrante. Van Gogh arrancaria a outra orelha se visse aquelas cores!

– Céus! Deve ter sido mesmo uma maravilha.

– Daí me dei conta de que Deus pôs a beleza do sol nos extremos. Nascendo ou morrendo. O sol do meio-termo, do meio-dia, não é para ser admirado. Nem sequer podemos olhar para ele.

– Digo que o teu dia tem 12 horas e o de Deus tem 24.

– O quê?!

Só então tia Palma pousa o crochê e olha para mim.

– Num dia de 24 horas, o sol dos extremos é o do meio-dia – que é auge –, e o da meia-noite – que é ausência. O sol que está a nascer ou a morrer é o sol das preces. O sol do meio-termo, como dizes.



E também à página 234 em que Palma se queixava de dor na coluna e

... concluiu que a dor que sentia – maior que ela – era bem menor que a dor do mundo. Comparada com todo o sofrimento e aflição que haveria nos quatro cantos da Terra, sua dor se tornava insignificante, portanto, suportável. Brincava.

– Que remédio nos trará a cura? Que farmacêutico virá para passar algodãozinho com álcool, soprar a bunda da Terra e lhe aplicar a injeção que nos aplacará todas as dores?

E ainda uma sensacional descrição de um abraço à página 231:

Papai se levanta. Nos abraçamos tão entregues um ao outro, que tudo em nós se mistura: as lágrimas, os cheiros, os sons, as peles, os panos, as dores, tudo. Ficamos a eternidade assim, ele em mim e eu nele. Nenhum tempo, nenhum espaço. Perdemos a noção. Quando acabar o abraço, teremos que voltar à realidade. Quem é que quer? Não, eu. A iniciativa de separar os corpos não será minha. Não mesmo. Ele é o pai, a instância superior. Ele decidirá o quando e eu me conformarei. Mas o abraço é mais forte que qualquer grau de parentesco, quer continuar para sempre. Isabel vem e se junta a nós, mas sabe até onde pode ir. Apenas nos toca de leve, solidária. Suas mãos em nossos ombros também é aviso de vida, sinal de que ali há outras pessoas que precisam de nós. Papai e eu entendemos aquele novo tato que chega. Nossos corpos se soltam naturalmente e, aos poucos, vão reconhecendo e definindo seus limites.



Quer saber a minha opinião?

– É um prato cheio se você gosta de histórias de amor e costuma citar ditos populares.

 
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