08 julho 2011

O cheiro da carne queimada

Ontem terminei de ler o livro do Zulmar Lopes. Letras miúdas em apenas 104 páginas. Demorei uns 15 dias. Não foi incompetência de leitura, nem má vontade. Foi puro tesão. Sabe aquela transa que, de tão boa, que você não quer ejacular e protela o gozo ao máximo para não findar os prazeres do momento?

Pois foi exatamente isso que aconteceu na leitura do livro. Lia alguns poucos contos e largava em algum ponto da casa. Depois lia mais um conto e abandonava noutro ponto da casa. Assim o livro peregrinou da cozinha ao banheiro do banheiro para o escritório. Dormiu no criado mudo e foi parar debaixo do sofá da sala. E, a cada conto gostado eu virava a orelha marcando o início do conto. Eu sempre faço isso com os livros de histórias curtas ou poemas para facilitar um eventual retorno ao livro. Quando terminei os 23 contos observei o livro com 15 orelhas além das duas que já vieram da gráfica. Um índice de aprovação fantástico. Imagine-se apreciando 18 músicas de um cedê de 23. Percebe o índice de acertos do Zulmar?

Eu já conhecia alguns contos do mestre Zulmar, inclusive deste livro porque frequentamos a comunidade orkutiana Bar do escritor e porque li algumas antologias onde estão algumas das obras premiadas em concursos literários. Tanto conhecia que estava muito curioso e enviei mensagem ao autor:

─ O conto com Dona Ernestina está no livro? ─ É que eu gostei tanto do conto que batizei Ernestina uma personagem de um dos meus contos prediletos.

─ Ernestina abre o livro. ─ Foi a resposta.

Mas e o livro? Porque é tão bom?

Se você acha o pôr de sol divino, o canto do sabiá maravilhoso e que rosas emanam desejos de amor então o livro que você procura é outro. Cheiro de carne queimada não é mimimi. É escrita politicamente incorreta. O autor narra histórias sórdidas colhidas no baú dos sete pecados.

Observe a construção deste personagem do conto A ferro e fogo

“A pergunta que Solange se fazia, Reginaldo Meia-Bunda tinha a resposta. Seu apelido politicamente incorreto resultara de uma poliomielite contraída na infância que atrofiara toda a musculatura da perna esquerda, deixando-o manco. Desprezado pelas mulheres e objeto de chacotas dos homens do bairro, Reginaldo Meia-Bunda pouco tinha de distração além do exercício da maledicência e o prazer pela intriga. Ouvidos apurados, captou notícias aqui e acolá a respeito de uma possível traição da mulher de Waldemar e, como percebera o sumiço do vascaíno Claudinei por aquelas bandas, juntou as peças do quebra-cabeça e, deleitoso por um escarcéu, decidiu encontrar o fugitivo. De fuxico em fuxico, Meia Bunda logo chegou ao paradeiro de Cladinei, morando numa cabeça de porco nas franjas do bairro de Santa Cruz.”

Isso é exemplo para livros que ensinam como montar uma personagem.

Eu gostaria de ter escrito um monte destes contos. Somente um grande autor consegue andar no fio da navalha do erótico, do policialesco, do grotesco sem cair na vulgaridade.

Parabéns, Zulmar. Seu livro é ótimo.

Recomendo a leitura com entusiasmo.

2 comentários:

Zulmar Lopes disse...

São essas coisas que ainda dão tesão da gente escrever, amigo Klotz.

Klotz disse...

É isso mesmo, mestre, a nossa escrita é movida a elogios. Saiba que este é sincero. Seria muito mais fácil calar, afinal nem nos abraçamos na vida. Você no Rio e eu no DF. Um dia nos encontraremos numa Flip...

 
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