27 julho 2011

Casa dos espíritos

Minha vida estava sem sentido. A empregada roubou meu cedê do Raul Seixas. O cachorro roeu minha máquina fotográfica. Fiquei preso no elevador durante cinco horas. Com o síndico. Embriagado! Minha namorada engordou 32 quilos e antes que eu acabasse o relacionamento me abandonou. Sumiu!

Tentei de tudo; alho, sal grosso, pé de pato mangalô três vezes, arruda e guiné para espantar o mau olhado.

A grande mudança ocorreu quando um amigo, sabendo da minha fase agourenta, presenteou-me com uma Casa dos Espíritos. Uma espécie de templo budista, utilizada pelos tailandeses, para ser colocado na entrada e que deve ser bem provida de incenssos, alimentos e objetos para trazer sorte e conforto.

Por morar em apartamento, a instalei no hall dos elevadores do meu andar. Procurando seguir as tradições e o manual de instruções, promovi uma festa de boas vindas. Recheei o telhadinho com uma foto da Juliana Paes, uma nota de dez Euros e um pedaço de frango à passarinho com muito alho. O DJ mandou ver um pagode legal. Foi uma festa para ninguém botar defeito.

No dia seguinte a filha da zelador brincou de casinha no hall. O dinheiro sumiu, a foto estava rasgada. Sobrou apenas uma barbie impregnada com o cheiro do alho.

Mesmo assim, depois de uma semana a minha namorada retornou. Estava linda. Voltou de um spa parecendo top model. Magra, cabelos de salão, roupa mostrando todas as curvas. O problema é que entrou na porta vizinha.

08 julho 2011

O cheiro da carne queimada

Ontem terminei de ler o livro do Zulmar Lopes. Letras miúdas em apenas 104 páginas. Demorei uns 15 dias. Não foi incompetência de leitura, nem má vontade. Foi puro tesão. Sabe aquela transa que, de tão boa, que você não quer ejacular e protela o gozo ao máximo para não findar os prazeres do momento?

Pois foi exatamente isso que aconteceu na leitura do livro. Lia alguns poucos contos e largava em algum ponto da casa. Depois lia mais um conto e abandonava noutro ponto da casa. Assim o livro peregrinou da cozinha ao banheiro do banheiro para o escritório. Dormiu no criado mudo e foi parar debaixo do sofá da sala. E, a cada conto gostado eu virava a orelha marcando o início do conto. Eu sempre faço isso com os livros de histórias curtas ou poemas para facilitar um eventual retorno ao livro. Quando terminei os 23 contos observei o livro com 15 orelhas além das duas que já vieram da gráfica. Um índice de aprovação fantástico. Imagine-se apreciando 18 músicas de um cedê de 23. Percebe o índice de acertos do Zulmar?

Eu já conhecia alguns contos do mestre Zulmar, inclusive deste livro porque frequentamos a comunidade orkutiana Bar do escritor e porque li algumas antologias onde estão algumas das obras premiadas em concursos literários. Tanto conhecia que estava muito curioso e enviei mensagem ao autor:

─ O conto com Dona Ernestina está no livro? ─ É que eu gostei tanto do conto que batizei Ernestina uma personagem de um dos meus contos prediletos.

─ Ernestina abre o livro. ─ Foi a resposta.

Mas e o livro? Porque é tão bom?

Se você acha o pôr de sol divino, o canto do sabiá maravilhoso e que rosas emanam desejos de amor então o livro que você procura é outro. Cheiro de carne queimada não é mimimi. É escrita politicamente incorreta. O autor narra histórias sórdidas colhidas no baú dos sete pecados.

Observe a construção deste personagem do conto A ferro e fogo

“A pergunta que Solange se fazia, Reginaldo Meia-Bunda tinha a resposta. Seu apelido politicamente incorreto resultara de uma poliomielite contraída na infância que atrofiara toda a musculatura da perna esquerda, deixando-o manco. Desprezado pelas mulheres e objeto de chacotas dos homens do bairro, Reginaldo Meia-Bunda pouco tinha de distração além do exercício da maledicência e o prazer pela intriga. Ouvidos apurados, captou notícias aqui e acolá a respeito de uma possível traição da mulher de Waldemar e, como percebera o sumiço do vascaíno Claudinei por aquelas bandas, juntou as peças do quebra-cabeça e, deleitoso por um escarcéu, decidiu encontrar o fugitivo. De fuxico em fuxico, Meia Bunda logo chegou ao paradeiro de Cladinei, morando numa cabeça de porco nas franjas do bairro de Santa Cruz.”

Isso é exemplo para livros que ensinam como montar uma personagem.

Eu gostaria de ter escrito um monte destes contos. Somente um grande autor consegue andar no fio da navalha do erótico, do policialesco, do grotesco sem cair na vulgaridade.

Parabéns, Zulmar. Seu livro é ótimo.

Recomendo a leitura com entusiasmo.
 
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