23 fevereiro 2011

Quero uma estrela cadente

O outrora famoso céu noturno de Brasília é uma vítima do crescimento urbano das últimas duas décadas. Ele veio acompanhado da expanção da iluminação pública: 3,4 milhões de postes novos só entre 2000 e 2008. O problema é que essa iluminaçõa é ineficiente. Os postes jogam a luz em todas as direçõs, inclusive para cima. Isso privou as cidades da visão das estrelas.
Em Brasília, por exemplo, era possível observar a olho nu a Via Láctea e quase 2000 estrelas por ano no começo da década de 1990. Hoje o número caiu para 150. – Folha de São Paulo, Ciência, 20 de fevereiro de 2011.
Será que você encontra o Cruzeiro do Sul?


Eu era menino. Faz um bocado de tempo. Meio século já se passou. Costumava passar as férias no litoral, na casa de um tio. O acesso era difícil. No trecho final, nos últimos cinco quilômetros não havia estrada nem rua. O caminho era a areia branca da praia. Era uma aventura passar onde o mar lambia a areia, ali o piso era mais duro.

Precisávamos atravessar cinco riachos antes de chegar ao destino. Quando era época de chuva os riachos se enchiam de poder e se transformavam em rios engolidores de veículos, tornando a travessia mais arriscada. Era necessário passar com as rodas dentro do mar onde o rio se alargava e ficava mais raso. Muitas e muitas vezes ajudamos a desatolar aventureiros inexperientes.

Tudo era festa, mas precisávamos chegar de dia. Corríamos para guardar as roupas e levar a comida para a cozinha. A eletricidade poderia faltar e quase sempre faltava. Quando não havia energia precisávamos bombear manualmente a água para a caixa para sermos recompensados com um banho gelado no retorno do mar. Quem seria o primeiro, após as obrigações, a chegar na praia? Mergulhar? Furar onda? Pegar jacaré?

A farra no mar teminava com um assobio da mãe chamando para a broa de milho saída do forno. Todos corriam para escolher o pão mais queimadinho. E comê-lo, queimando a língua, na fila do chuveiro.

Lanchávamos muitas vezes à luz de um lampião de querosene para depois sentarmos em roda na frente da casa.

Do lado de fora era mais claro que dentro. As estrelas iluminavam o jardim e a conversa.

Alguém achou o Cruzeiro do Sul? Cadê as três Marias? Vênus? Só era identificada no começo da noite.

Foi um tempo muito bom, sabíamos que as Três Marias formavam parte da constelação de Orion. E que a estrela mais brilhante do céu era Antares, o coração da enorme constelação de Escorpião.

Havia uma luzinha bastante luminosa que atravessava o céu diariamente, em hora certa. Era um dos satélites artificiais de comunicação. Poderia ser o Telstar ou algum dos vários Intelsat.

A converesa variava e mudava. Até que, repntinamente uma estrela cadente chamasse a nossa atenção. Era hora de formular desejos.

Hoje, moro em cidade grande, impossível contar uma centena de estrelas no céu opaco. Acho que os adolescentes urbanos nem imaginam como é vibrante um céu estrelado.

Minha vontade é enxergar pelo menos mais uma estrela cadente para fazer um único pedido: rever o céu esplendoroso.



Esta crônica resultou de matéria brilhante da Folha de São Paulo. Imagine que a nossa praia, antigamente deserta, hoje está povoada de arranha céus.

2 comentários:

Valdir Luciano disse...

Muito bom mesmo Roberto. Parabéns! Sua maneira de escrever é tão boa que dá um certo prazer em ler sem parar.

Parabéns novamente e muito sucesso!

Abraço!


http://confissoesdeumescritor.blogspot.com/

Klotz disse...

Obrigado, Valdir. Fique à vontade. Jajazinho sai uma café e um pão de queijo.

 
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