27 fevereiro 2011

Adeus mestre Scliar

Foi com muito pesar que recebi a notícia da morte do grande Moacyr Scliar. As “Histórias que os jornais não contam” foram o exemplo que mirei para escrever meus contos semanais no blog.


Em 27/02/2010 recebi um e-mail do mestre comentando meu livro “Quase pisei!”:

Meu caro Roberto, só umas linhas para te dizer que estou terminando teu livro e que gostei muito de tuas crônicas, vivas, bem humoradas, bem escritas. Recebe os parabens e o abraço do
Moacyr Scliar


Tem escritores que escrevem para burro. Scliar escrevia para Jabuti.

23 fevereiro 2011

Quero uma estrela cadente

O outrora famoso céu noturno de Brasília é uma vítima do crescimento urbano das últimas duas décadas. Ele veio acompanhado da expanção da iluminação pública: 3,4 milhões de postes novos só entre 2000 e 2008. O problema é que essa iluminaçõa é ineficiente. Os postes jogam a luz em todas as direçõs, inclusive para cima. Isso privou as cidades da visão das estrelas.
Em Brasília, por exemplo, era possível observar a olho nu a Via Láctea e quase 2000 estrelas por ano no começo da década de 1990. Hoje o número caiu para 150. – Folha de São Paulo, Ciência, 20 de fevereiro de 2011.
Será que você encontra o Cruzeiro do Sul?


Eu era menino. Faz um bocado de tempo. Meio século já se passou. Costumava passar as férias no litoral, na casa de um tio. O acesso era difícil. No trecho final, nos últimos cinco quilômetros não havia estrada nem rua. O caminho era a areia branca da praia. Era uma aventura passar onde o mar lambia a areia, ali o piso era mais duro.

Precisávamos atravessar cinco riachos antes de chegar ao destino. Quando era época de chuva os riachos se enchiam de poder e se transformavam em rios engolidores de veículos, tornando a travessia mais arriscada. Era necessário passar com as rodas dentro do mar onde o rio se alargava e ficava mais raso. Muitas e muitas vezes ajudamos a desatolar aventureiros inexperientes.

Tudo era festa, mas precisávamos chegar de dia. Corríamos para guardar as roupas e levar a comida para a cozinha. A eletricidade poderia faltar e quase sempre faltava. Quando não havia energia precisávamos bombear manualmente a água para a caixa para sermos recompensados com um banho gelado no retorno do mar. Quem seria o primeiro, após as obrigações, a chegar na praia? Mergulhar? Furar onda? Pegar jacaré?

A farra no mar teminava com um assobio da mãe chamando para a broa de milho saída do forno. Todos corriam para escolher o pão mais queimadinho. E comê-lo, queimando a língua, na fila do chuveiro.

Lanchávamos muitas vezes à luz de um lampião de querosene para depois sentarmos em roda na frente da casa.

Do lado de fora era mais claro que dentro. As estrelas iluminavam o jardim e a conversa.

Alguém achou o Cruzeiro do Sul? Cadê as três Marias? Vênus? Só era identificada no começo da noite.

Foi um tempo muito bom, sabíamos que as Três Marias formavam parte da constelação de Orion. E que a estrela mais brilhante do céu era Antares, o coração da enorme constelação de Escorpião.

Havia uma luzinha bastante luminosa que atravessava o céu diariamente, em hora certa. Era um dos satélites artificiais de comunicação. Poderia ser o Telstar ou algum dos vários Intelsat.

A converesa variava e mudava. Até que, repntinamente uma estrela cadente chamasse a nossa atenção. Era hora de formular desejos.

Hoje, moro em cidade grande, impossível contar uma centena de estrelas no céu opaco. Acho que os adolescentes urbanos nem imaginam como é vibrante um céu estrelado.

Minha vontade é enxergar pelo menos mais uma estrela cadente para fazer um único pedido: rever o céu esplendoroso.



Esta crônica resultou de matéria brilhante da Folha de São Paulo. Imagine que a nossa praia, antigamente deserta, hoje está povoada de arranha céus.

21 fevereiro 2011

Vendo mulher

28 anos, 90 centímetros de busto, 60 de cintura e 90 de quadril. Coxas grossas. 1,65 de altura e 62 kg muito bem distribuídos. Cabelos negros, lisos como sabonete. Olhos cor piscina de hotel. Nariz arrebitado sobre lábios carnudos e sorriso malicioso. Meiga, carente e sensual. Provocativo decote. Arquiteta, artista plástica e cantora.
É esta mulher que estou vendo da minha janela.

16 fevereiro 2011

Consulta aos arquivos moleculares

A revista semanal Science, publicação da American Association for the Advancement of Science (AAAS) diz que em uma única célula humana há cerca cem vezes mais informação codificada no DNA humano do que em todos os livros, CD’s, computadores, negativos de fotos e todo tipo de lugar onde se armazenam dados, digitais ou analógicos. Folha de São Paulo — Ciência, 11/02/2011
Acordou cansado e tonto. Pensou num out door de pousos e decolagens do salão de embarque grudado no cérebro com as informações passando a jato. A vista enxergava um enorme tubo tridimensional azul com caracteres binários passando à velocidade da luz.
Levantou-se segurando nas paredes. No banho tentava entender o que estava acontecendo.
À noite tivera uma discussão com o irmão. Precisavam abrir um cofre cujo segredo estava perdido. A caixa blindada continha um dossiê do avô, fundador da indústria onde eram sócios. Os documentos só poderiam ser lidos 50 anos após a morte do criador da empresa. Já se passaram quatro meses da data marcada com um círculo vermelho no calendário e a porta metálica continuava lacrada.
O fabricante do cofre já não existia. Consultaram dezenas de chaveiros e especialistas. Inclusive pagaram passagem a um mestre suíço. Nada adiantou.
Ainda se lembravam da tarde de domingo quando o nono reuniu os dois meninos na sede da fábrica para uma conversa curta e grave. Logo após, mostrou uma pasta negra, abriu a porta do cofre vazio, depositou a pasta, fechou a porta e girou o segredo. Anotou, às nossas vistas, a combinação do cofre na primeira página de uma bíblia. O pai dos meninos falecera em um acidente de carro. Seríam os únicos guardiões e, ameaçando com o indicador, exigiu sigilo absoluto.
Na adolescência começaram a trabalhar sob a orientação dura do criador da empresa. Geneticamente e por méritos, rapidamente galgaram posições.
Quando o velho faleceu estavam participando de uma feira de negócios no Japão. Assim que souberam, retornaram imediatamente ao Brasil. Chegaram tarde para a cerimônia. Só assistiram à missa.
Temiam que o avô os vigiasse do céu ou do inferno cobrando a promessa. Jamais tocaram no assunto entre si. Nem as esposas sabiam.
Um dia, conversando sobre a religiosidade do vovô, souberam que ele foi enterrado segurando uma bíblia e um terço.
Criaram uma questão para motivar a exumação do corpo. Vovô transformara-se em pó. Reconheceram a bíblia por um fragmento da capa. A anotação foi devorada pela terra.
A insistência do irmão em explodir o cofre o atormentava.
Para ele, a única solução viável era recuperar na memória longínqua os números do avô escritos com caneta de tinta preta.
Renovou as esperanças depois de ler numa revista científica que uma única célula humana guardava mais informações que toda a humanidade conseguira armazenar em bibliotecas, filmes, redes e computadores mundo afora.
Quando fechou a torneira do chuveiro, teve certeza, o seu organismo estava deszipando, descompactando, os chips do HD interno à busca da informação armazenada.
Desta vez, escrevi o conto baseado numa matéria da Folha de São Paulo. No blog sempre até
ás 18 horas das quartas-feiras com número pré-determinado de caracteres como se fosse uma coluna.

14 fevereiro 2011

Klotz em Lisboa


Dificilmente observo o contador do blog. Nunca liguei muito para isso, tanto que só coloquei um contador de visitas no fim de 2008. De lá para cá recebi mais de 30.000 visitas.
Hoje minha curiosidade foi atiçada por outro e-mail que recebi de português cometando um texto do blog. Procurei o analisador estatístico do Google e me surpreendi com a quantidade de visitas nos últimos 30 dias: 1466 dos cinco continentes!
São 48,8 visitas/dia! — Nada mau!
É espantoso, considerando que não divulgo o blog.
Observei que a grande maioria é brasileira: 1285 e que se distrubui em todo teritório nacional. São Paulo é a campeã de acessos. Em seguida vem Brasília, origem do blog. Rio de Janeiro é a terceria. Tudo muito natural. A boa surpresa foi a descoberta que Lisboa se fez presente 46 vezes e o Porto 19 no último mês. As duas cidades lusitanas estão à frente de muitas cidades brasileiras.
Certamente há muito mais leitores que apenas o Joaquim e o Manuel.
Segue meu abraço ao Joaquim.

09 fevereiro 2011

A bicharada foi ao cinema


Cientistas do Instituto de Abraham, em Londres, descobriram que as ovelhas ficam mais calmas quando vêem rostos conhecidos depois de algum tempo sozinhas. Na pesquisa foram projetadas imagens de cabras, ovelhas, formas geométricas e outras figuras. Então mediu-se o nível de estresse dos bichos, com controle das batidas cardíacas e inquietação. CB – Você sabia..., 07/02/2011



Há algo de podre no reino da Inglaterra, diria Shakespeare ao saber que os cientistas britânicos, por não terem mais o que fazer, pesquisam as imagens preferidas pelas ovelhas. Começaram com triângulos, quadrados e estrelas, até produzir longas metragens com artistas consagrados.
Imagine a surpresa do bardo inglês. Caminhando por uma calçada de Stratford, passa em frente ao cinema e depara-se com um cartaz:

Hoje: Ovêlho e o mar – sessão às 14/ 16/ 18/ 20 e 22 horas. Um filme estrelado pela Ovelha Dolly, roteiro de Ernest Hemingway e adaptação especial para o rebanho ovino.

Lê o cartaz e relembra ter escrito as tragédias do Rei Lear, Otelo e Hamlet. Tudo humano, para humanos. Isso foi lá nos anos 1600. Os tempos mudaram. Agora o mundo é ecologicamente correto com direitos iguais para todos os seres viventes. E principalmente para todos os cientistas aplicarem as verbas onde bem quiserem, contanto que engordem as estatísticas governamentais de trabalhos acadêmicos.
Coçou a barba e pensou estar obsoleto. Escrever peças para teatro é bobagem. O negócio é escrever roteiros para o cinema visando milhares e milhares de espectadores passando na frente da bilheteria. O drama, em vez de ser na tela, fica por conta da dificuldade de cobrar os ingressos do fazendeiro, dono do rebanho.
Experiência e imaginação é que não falta ao dramaturgo. Se o negócio é cobrar ingresso por cabeça é melhor mudar o público alvo. Uma ovelha ocupa muito espaço num cinema. Ainda mais com poltronas reclináveis.
Pensou em oferecer filmes para cavalos. Mas estes já estão muito exigentes, acostumados pela nobreza. As vacas ocupariam mais espaço que as ovelhas. Os cachorros e gatos, já escolhem seus próprios filmes em casa.
A grande sacada foi lembrar-se das galinhas. Consideradas pouco exigentes e de memória não muito privilegiada, veriam o mesmo filme cem vezes antes de descobrir que se trata de repetição. Tampouco perceberiam se o filme tem lógica ou não. As galinhas ocupam muito menos espaço, assim pode-se ter muito mais cabeças por sessão.
Por desconhecerem luxo e direitos, em vez de salas atapetadas projeta-se a película nas próprias granjas empoeiradas.
O escritor inglês, nas suas elucubrações, percebeu uma vantagem financeira adicional: as galinhas adoram milho. Portanto seriam consumidoras em potencial da pipoca.
Infelizmente, acabou descobrindo que as ovelhas inglesas têm um sindicato forte e exigem prioridade. Então, diante da imposição, resolve em vez de escrever novas peças, simplesmente adaptar trabalhos antigos. As ovelhas também poderão ver no cinema Mac Béééé e Roméééu e Julieta.

Novamente um texto baseado em notícia publicada no Correio Braziliense desta semana. Sempre às quartas-feira antes da 18 horas. - Ufa, hoje foi no sufoco. Quase apanhei do relógio.

01 fevereiro 2011

Moda de americanizar nomes

O resultado do vestibular é um momento que faz a felicidade dos que vêem seus nomes na lista, mas também leva muita gente a dar boas risadas. Nas listagens a criatividade de muitos pais fica evidente. Daí conhecemos Rennolly, Dasayanne, Heldemys, Sunshine Summer,Yacana, Mauriston, Wuppschandler,Deicksony e outros tantos, que além da dificuldade para conseguir escrever o próprio nome, podem até sofrer por term sido batizados de forma tão incomum. CB - Comportamento, 30/01/2011

Insuportável!
Já tinha sido assim no colégio, agora também na faculdade. Primeiro vieram os copos descartáveis. Depois garfos quebráveis, colherzinhas plásticas e facas sem corte. A coisa foi piorando. Gritos, xingamentos, desaforos. Aí vieram os pratos de papelão. Tudo era arremessado em mim quando eu entrava na sala de aula.
Foi piorando gradativamente a cada semana. Trocaram o permanente pelo descartável e o descartável pelo definitivo.
Passei a ser o lixo e os pratos de louça. Jogaram pratos de sobremesa, xícaras, travessas e açucareiros. Só entendi o que acontecia quando acertaram um bule na minha testa.
Era bullying!
Parece que a escola e a faculdade são os lugares onde atos de violência física ou psicológica, intencionais e repetidos ocorrem com mais frequência. Toda turma se junta contra vítimas indefesas e isoladas. Pobres dos diferentes. Altos, judeus, gordinhos, orelhudos, narigudos, homosexuais. Em vez de zoação ou perseguição era bullying.
Apesar de se dizerem contra os americanos, na hora do batismo preferem palavras ou termos em inglês.
Este é o meu problema: Sou Edivaldo Uchoa Amaral. Quase todos os colegas carregam cás, dabelius e ipsilones nos nomes. Alguns repetem eles ou enes. Outros têm agás inusitados. Enquanto sou simplesmente brasileiro Edi. Menosprezado, desrespeitado, alvo de gozações.
Com medo de bolas de papel, eu me sentava acuado num canto da sala. Em seis meses de aula não participei de nenhuma roda de conversas.
Eu precisava sair do isolamento.
Para amenizar o constrangimento, comecei por procurar uma morena de dentes brilhantes que foi importunada nos primeiros dias de aula.
— Maria do Socorro, por que o pessoal te deixou em paz?
Explicou que o seu apelido sempre fora Mary Help.
Depois procurei pelo João Pedro e ele sacou a identidade e apontou orgulhoso: João Pedro de Olliveira com dois eles, ressaltou.
Minha outra abordagem foi a Rosecleide, amiga da Dannyelle.
— Oi Rose, seu nome Rosecleide Silva, não é mesmo?
— Sim e qual é o problema?
— Que sorte que não pegam no seu pé.
— Meu Silva é com ipsilone.
Só me restou ir à delegacia e prestar queixa.
Entregaram-me o formulário e na primeira linha escrevi meu nome.
O atencioso escrevente perguntou se meu apelido era Gringo.
— Por que seria? Tenho cabelos encaracolados, meus olhos são escuros.
— Justamente é o seu nome. Edivaldo Uchoa Amaral. Repare nas iniciais: Estados Unidos da América.
Gringo! Edu abriu um largo sorriso, rasgou a queixa e correu feliz para anunciar seu novo apelido.



Outro conto originado por notícia publicada no Correio Braziliense durante a semana. Sempre até as 18h das quartas-feiras, limitado a 2978 ± 19 caracteres.
 
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