01 setembro 2010

Endereços que ninguém encontra

“Com poucas placas de sinalização e identificação de lugares, região pertencente a Águas Claras traz dor de cabeça aos moradores, que encontram dificuldade em receber correspondência, contas e até visitas.” CB – Areal 28/08/2010

Três batidas secas com o nó do dedo médio no vidro do carro acordaram Antônio Rezende P. Silveira. O sol começava a se esconder atrás de alguns barracos de madeira. O vento frio uivava no meio da poeira.
O fiscal da receita estadual empurrou um boleto de cobrança de IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano – janela adentro.
Com a cara amassada de um dia mal dormido Antonio reclamou que não entendia aquela cobrança.
– O senhor está morando neste lugar há uma semana, fixou residência, logo deve pagar o IPTU.
– Eu estou perdido.
– Não tem dinheiro para pagar?
– Vim para este maldito lugar e não encontrei o endereço para entregar uma cesta de café da manhã. Procurei, procurei e rodei tudo que é rua. Depois deu o desespero e tentei encontrar a saída. Aí acabou a gasolina. Ninguém sabe que rua é essa! Estou perdido neste fim de mundo.
***
A Companhia de Eletricidade terminou de plantar oito postes de iluminação sob o olhar atento de José de Arimatéia Rodrigues. É a primeira rua do bairro onde as mariposas podem enlouquecer em volta da lâmpada.
– Eu gostaria de agradecer o trabalho de vocês. Ficou brilhante.
– Agradeça ao Deputado Chico Daluz.
– Hoje mesmo falarei com o filho dele que mora naquela casa, na rua vizinha.
– Na outra rua? Não é aqui? Virgem Maria! Erramos a rua!
***
Por causa de histórias como essas a comunidade, liderada pela parteira Mari Help e pelo escriturário Jotabê, convocaram a população para uma reunião e colocaram em discussão os nomes das ruas.
A babilônia das ruas marcou presença na reunião.
– Vamos colocar nomes de países? Noruega, Alemanha, Estados Unidos, Suíça, Inglaterra. Quem sabe essas nações adotam nossas ruas?
– Duque de Caxias, Almirante Tamandaré, General Mascarenhas de Morais, Marechal Deodoro foram as opções do major aposentado.
– Acho que devemos valorizar a nossa terra, nosso povo, nossas origens. Proponho botocudo, tupinambá, nhambiquara, goitacaz, tremembé.
– Você gosta de polissílabos! Prefiro nomes mais curtos!
O contador sugeriu numerar as ruas. A bibliotecária contestou sugerindo uma codificação alfanumérica.
A mocinha apaixonada levantou a mão pedindo a palavra e opinou Avenida do Amor, Alameda da Saudade, Rua do Aconchego, Praça dos Sonhos, Esquina do Flerte, Travessa Abraço Feliz...
– E as minorias? Agora é lei. Temos que reservar espaço para eles. Rua dos Deficientes Auditivos, Quadra da Melhor Idade, Ladeira dos Cadeirantes...
– Proponho o nome do ilustre presidente, do dinâmico governador, dos nobres senadores, de alguns devotados deputados. Do nosso querido prefeito!
– Aí, seu baba-ovo, não se esqueça do nome da avó!
– Acalma! Sossega! Aquieta!
– Isso é nome que se apresente?
– Não são nomes de rua, apenas estou pedindo paz aos exaltados.
A reunião terminou em beco sem saída.


Texto não publicado no Correio Braziliense. Nem na Folha, no Globo, no Estado ou Zero Hora.
Este é o quarto conto semanal com provocação originada por notícia do Correio Braziliense. Vencido o prazo de experiência os redatores do jornal receberão os textos para avaliar a data do meu ingresso remunerado numa redação. O colunista esperto sabe que o diagramador tem ordens de guilhotinar textos maiores que a coluna. O texto, de 2959 caracteres, no mínimo, e 2997, no máximo, sempre estará disponível antes das 18h das quartas-feiras.

Um comentário:

his disse...

adorei, rindo muito.

 
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