18 agosto 2010

Delivery para ladrões de carros


“Com um kit de adulteração a tiracolo, Carlos Alberto Nascimento, 35 anos, fazia serviços de falsificação de veículos em domicílio.” CB – Crime 13/08/2010


– Alô. Eu queria falar com o seu Nascimento.
– Pois não. É o Nascimento ao vivo e em cores.
– Eu encontrei seu número no caderno de classificados e gostaria de saber como funciona o seu serviço.
– Eu esquento carros.
– Isso eu entendi. Mas no que exatamente consiste o seu trabalho?
– Em primeiro lugar eu lixo à máquina os números do motor, câmbio e carroceria. Depois gravo novos números com a minha puncionadora de caracteres alfa numéricos. Em seguida uso um processo químico para remover os números dos vidros do carro antes de aplicar os adesivos com a nova numeração. Também troco as placas dianteira e traseira.
– E os documentos?
– O senhor me interrompeu! Eu estava dizendo que para finalizar, imprimo o novo DUT e certificado já com o carimbo de quitação.
– Qual é o endereço?
– É muito perigoso andar por aí com carro roubado. Vai que a polícia pega. Eu é que vou até aí.
– O senhor faz o serviço de legalização em fusca?
– Meu amigo, trabalho em qualquer tipo de veículo. Fusca é muito fácil, mas não vale o meu tempo. Cobro mais pelo meu serviço do que vale um carro velho como esse. Fusca é para iniciantes. Meu negócio é caro prateado... importado. Me poupe. Tchau, mano!
O telefone volta a tocar.
– Sim, sou eu, Nascimento. Pode falar.
– Descolei dois carrões e preciso entregar urgente. Tu pode vir hoje?
– Tá dificíl. Tô com a agenda cheia. Já são três horas e ainda tenho outro na fila. Ainda bem que é pertinho. Amanhã e quinta não vai dar. Só tenho um horário na sexta à tarde. Onde que é?
– Só sexta? É aqui na Ceilândia.
– Ceilândia! Já te falei, tô fora! Agora só atendo doutor. Só trabalho no Plano Piloto e Lago Sul. Conheço dois delivery na Ceilândia. Quer o número?
Em menos de dois anos de esquentamento de carros frios, Nascimento treinou e uniformizou dois auxiliares para atender a demanda. Em vez de moto atendia com uma van importada. O volume de serviço crescia rapidamente. Nem precisou fazer marketing. A propaganda era na base do boca-a-boca. Trabalho gabaritado, limpo e preciso. Terminava em no máximo 45 minutos. Tudo transcorria às mil maravilhas. Cogitava em abrir filial no Rio de Janeiro e em São Paulo. Contratou um despachante para legalizar a empresa. Estava preocupado com as altas taxas de impostos.
Uma tarde, após muita insistência resolveu atender um cliente novo, doutor Azevedo, muito falante e que parecia ser do ramo. Abriu um espaço na agenda e ainda brincou dizendo que fazia como os médicos: era um encaixe. Só foi porque o cliente garantiu ter um galpão lotado de carrões pouco rodados à espera de um bom profissional.
Apesar da vontade, o delegado não podia prender Nascimento. Além das cadeiras velhas e obsoletas máquinas de escrever, as viaturas da delegacia sequer tinham combustível para se locomover. Foi aí que o delegado Azevedo teve a idéia de chamar Nascimento para uma cilada.








Texto não publicado no Correio Braziliense. Nem na Folha, no Globo, no Estado ou Zero Hora.
Leia o segundo conto semanal originado por notícia publicada no Correio Braziliense. Em prazo curto enviarei os textos para diversos editores para avaliar a data do meu ingresso no quadro dos colunistas. O texto, de 2959 caracteres, no mínimo, e 2997, no máximo, sempre estará disponível antes das 18h das quartas-feiras.

Um comentário:

Anônimo disse...

Nenhum ladrão deveria receber delivery de comida nem nada mais que ir para a carcere!
Um tem que ter muito cuidado a que lugar chama e toca a porta da sua casa.

 
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