29 dezembro 2010

Indulto improdutivo

Oitocentos e noventa e cinco presos serão beneficiados com a saída especial de Natal, de acordo com dados preliminares da Subsecretaria do Sistema Penitenciário (Sesipe) da Secretaria de Estado de Segurança Pública do DF (SSP-DF). Eles serão liberados amanhã, às 10h, e devem retornar 72 horas depois, ou seja, às 10h do dia 27. CB - Saidão de Natal, 23/12/2010


– Viu só, Mané, que sacanagem. Os homens de beca nem respeitam a gente. Num vai dar tempo. Vamos ter que ser muito rápidos. Não gosto de fazer as coisas assim no grito. Pá e buf!
– Num saquei.
– Tá aqui no jornal. A gente só será liberado depois da dez da matina.
– E daí?
– Tu é muito Mané mesmo. Tem que ficar enjaulado pra aprender!
– E?
– É muito pouco tempo. Tá aqui ó! As lojas fecham às cinco.
– Onde tu quer chegar?
– Se liga rapá! Até o cara achar a chave e abrir o portão vai dar meio-dia.
– Se explica logo!
– Quer que eu faça um desenho?
– Quero que seja claro!
– Tá bom! Entre sair daqui e chegar até as lojas vamos ter muito pouco tempo. E amanhã é Natal. É nossa última chance.
– Tu acha que a família vai ficar chateada se tu chegar em casa sem presente?
– Ai meu Santo Deus! Quero sair logo daqui. Não guento ficar junto dum cara burro como tu.
– Me respeita!
– Tu num percebeu ainda que o tempo tá muito curto. As lojas fecham às cinco. A gente só chega na cidade lá pelas três. São só duas horas de loja aberta. Sem escolha! É entrar na primeira e resolver a parada.
– Tu faz assim ó: escreve num papel os nomes das pessoas para quem vai comprar presente. Na dureza que a gente tá, o melhor é ir numa loja de 1,99.
– Ninguém merece!
– Acho que tua mulher vai entender. O principal é não chegar de mãos abanando. Ela vem aqui toda semana trazer conforto. Ela sabe como são as coisas aqui. Sabe que tu tá mais duro que cassetete nas costas. Vai numa loja de 1,99 e escolhe um presente bonito. Mulhé gosta de perfume. Eu se fosse tu, escolhia um com cheiro de violeta.
– Tu tá de olho na minha horta?
– De jeito nenhum. Mulher de amigo meu, pra mim é homem.
– Tu tá insinuando que minha mulher é macho?
– Não. Eu apenas disse que nem olho por mais gostosa, eu respeito.
– Tu é muito abusado!
– Deixa quieto. A gente tava falando da nossa saída do Natal. Que tu vai ter pouco tempo para chegar até a cidade, procurar uma loja e escolher presente pro seu pessoal. Tu pode comprar um cedê para dançar um forró com a tua nêga. Fácil, barato e rápido.
– Eu gosto de fazer tudo direitinho, planejado.
– Já falei. Anota num papel e pronto. Tó aqui, tem o da minha carteira de cigarros.
– Eu não acredito!
– Tu não sabe escrever? Eu anoto. Qual é o nome dos seus filhos?
– Eu quero sair logo daqui. Tu é muito ignorante. – Dirigiu-se para a grade e gritou: – Guarda! Guarda! Me tire daqui!
– Calma. Se acalma. Olha o bom comportamento. Amanhã a gente sai. Falta pouco.
– Eu lá quero comprar presente! Será que tu não percebeu ainda que as lojas tão cheias de grana e que a gente só tem umas poucas horas para fazer a féria antes das lojas fecharem?



Outro conto cheio de ironia e humor motivado por notícia publicada no Correio Braziliense nesta semana.
Sempre às quartas feiras, antes das 18 horas e com conteúdo entre 2959 e 2997 caracteres.
E daí? Daí que viso um espaço como colunista remunerado.

28 dezembro 2010

Sapos, rãs, jias, pererecas e outros familiares



Nos hospedamos em um hotel à beira de um rio. Quando escureceu todos os anuros afinaram suas gargantas e, como num enorme coro sem maestro, desafinaram e barulharam a noite. Tanto que tivemos que aumentar o volume da nossa conversa. Num determinado momento, nós dois, ao mesmo tempo, lembramos de fechar a janela. Nós co-achamos de acabar com a festa dos sapos.

22 dezembro 2010

Mona Lisa e o relógio
















Esta semana, especialistas do Conselho Nacional de Valorização do Patrimônio Cultural e Ambiental da Itália anunciaram a descoberta de um novo detalhe na pintura da Mona Lisa: letras muito pequenas, imperceptíveis a olho nu, gravadas nas pálpebras de Mona Lisa. A novidade pode resolver um dos maiores enigmas que cercam o quadro. CB – Ciência, 18/12/2010


Entra ano, sai ano, o quadro da Mona Lisa é alvo de especulações e histórias polêmicas.
Falam que o sorriso é resultado de uma gravidez ou de que havia dado à luz há pouco tempo em função do véu típico de gestantes do século XVI. Sugerem que o rosto seria um auto-retrato do pintor vestido de mulher com a alegação de que o artista seria gay. O escritor Dan Brown defendeu a tese de que o nome da retratada é um anagrama para Amon l'Isa, em referência a antigas divindades egípcias. Historiadores franceses afirmam que Napoleão Bonaparte teria se apaixonado pelo quadro e que teria mandado pendurá-lo em seus aposentos. Conforme os jornais da época, Vincezo Peruggia furtou o quadro do Louvre para repatriá-lo à Itália. Os tablóides contam como ele fazia sexo com Mona. Para se opor à unanimidade, um psicopata jogou ácido sobre ela, danificando parte inferior da obra.
A relação de histórias curiosas é longa e não cabe em um único parágrafo. Por isso respire fundo antes de recomeçar a ler outras particularidades ou indiscrições.
Estudiosos afirmam que Mona Lisa, pintada em 1506, é Lisa Gherardini, mulher de um rico comerciante de seda de Florença. Já um historiador comprova que a obra foi pintada em 1489 e que a mulher por trás do sorriso famoso é Isabel de Aragão, Duquesa de Milão. Sigmund Freud interpretou o sorriso como sendo uma atração erótica subjacente de Leonardo pela mãe.
Por tantas informações e especulações resolvi ir direto à fonte. Telefonei para Mona Lisa. Não me perguntem o número. Nem sob tortura direi.
A nossa conversa foi bastante rápida. Eu mal a entendia por não falar italiano medieval. Ela estava bem humorada e disse que que parecia que o povo não tinha mais o que fazer, que a deixassem em paz. Que adorava Léo, mas que jamais tivera um caso com ele. Que Léo além de pintor, escultor, anatomista, cientista e inventor também era piadista. Era maravilhoso posar para o iluste artista que contava anedotas enquanto enchia a tela de cores. Ele me perguntou se eu sabia a semelhança entre uma grávida e uma tartaruga com um relógio amarrado às costas. Como eu poderia saber se o relógio ainda não havia sido inventado? Ele riu, dizendo que as duas não viam a hora. Daí ele inventou o relógio, depois colocou-o numa pequena caixa, presenteou-me e pendurou-o no meu pescoço. No quadro o relógio indicava cinco horas. Hora de término da sessão. Depois ele resolveu apagar o relógio do quadro pois o mundo não estava preparado para a falta de tempo. Foi nesse clima de bom humor que pintou o meu sorriso. Apenas isso. Não há enigmas, apenas a felicidadade.
Aí, acabou a bateria do meu celular.




Orgulhosamente apresento mais um conto cheio de humor motivado por notícia publicada no Correio Braziliense nesta semana.
Sempre às quartas feiras, antes das 18 horas e com conteúdo entre 2959 e 2997 caracteres.
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15 dezembro 2010

Xixi fora de hora


A literatura médica registra que entre 2% e 25% das crianças do mundo sofrem de disfunção do trato urinário inferior (DTUI). Para ter uma idéia da faixa em que o Brasil se posiciona nesse espectro, Giovana Teixeira Branco Vaz, professora da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, entrevistou 739 crianças de três escolas públicas. “O estudo apontou uma prevalência de 21,8%, ou seja, mais de um quinto delas é afetado”. CB – Saúde, 13/12/2010.

Teresa Cristina Tavares Miranda recebeu um telefonema da escola e saiu às pressas do trabalho para buscar Glorinha na escola. Glorinha chorava muito. Ela não estava com febre, nem havia sido mordida por nenhum coleguinha. Durante a aula fez xixi e se molhou toda. Deixou uma poça amarela sob sua cadeirinha azul. Não era a primeira vez que isso acontecia. Acontecia com frequência. Naquela semana era a terceira vez. E ainda era quarta-feira.
Apesar de ser loirinha de cabelos cacheados e dos olhinhos azuis, Glorinha era rejeitada por seus coleguinhas. Ninguém queria se sentar ao seu lado. Não emprestavam um lápis ou um caderno. Até Luciana, sua única amiga se afastou. Reclamavam que ela fedia a mijo.
Levaram a menina para um tratamento com um fisioterapeuta que rapidamente encontrou solução para o caso que já virava um pesadelo.
Em pouco tempo Glorinha estava totalmente recuperada. Voltou a sorrir e se relacionar bem com a turminha. Para a festa junina da escola foi escolhida para ser a noiva do casamento caipira.
Tudo parecia caminhar para um final feliz na casa da família dos Tavares Miranda. Parecia. Não foi bem assim. O xixi voltou a incomodar como uma cachoeira. Nem julgue você que o fisioterapeuta não trabalhou direito. Nem pense que a Glorinha voltou a se molhar. A história agora foi com o Pedrinho, irmão mais velho, 11 anos.
Pedrinho sempre fora problemático. Foi suspenso na escola por ter sido flagrado fumando no pátio. Um vizinho reclamou por ter visto o menino aos beijos com a filha de doze. Até o padre, tão piedoso, estava incomodado por Pedrinho insistir em chamá-lo de desinteressado sexual.
Quando estava no meio de uma reunião no trabalho, o doutor Tavares Miranda, jovem pai do Pedrinho, recebeu um telefonema da secretaria do clube dizendo que deveria procurar o diretor imediatamente por causa do xixi do Pedrinho.
Não recebeu maiores explicações. Percebeu pelo tom de indignação que o assunto era grave. Ameaçavam o filho de expulsão. Só porque fez xixi na piscina. Um absurdo!
– Todo mundo faz xixi na piscina. Homens e mulheres. Velhos e crianças. Por que Pedrinho não pode? Isso é pessoal! – Resmungou indignado.
Pegou o carro no estacionamento. Como pai, pensou em arregaçar as mangas para brigar com o diretor. Como advogado, esboçou mentalmente um processo judicial contra o abuso de autoridade.
Quando chegou ao clube nem pediu permissão. Entrou logo na sala do diretor.
– O que você tem contra o meu filho? Botando o dedo em riste. – Todos mijam na piscina!
– Mas não da torre de saltos.

Orgulhosamente apresento mais um conto cheio de humor motivado por notícia publicada no Correio Braziliense nesta semana.
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08 dezembro 2010

O tubarão na história


“Uma turista alemã de 70 anos morreu ao ser atacada por um tubarão quando se banhava no Mar Vermelho, diante do hotel, no concorrido balneário egípcio de Sharm El-Sheik, um dos destinos mais procurados no Oriente Médio. Horas depois da morte da idosa alemã, as autoridades locais anunciaram a captura de dois tubarões de 2m.” CB – Mundo, 06/12/2010.


Os tubarões mordem há 450 milhões de anos.
Pois é, vou lhes contar a história de uma poderosa família de tubarões cuja dinastia está instalada desde os tempos imemoriais no Mar Vermelho.
Apenas para que você, caro leitor, tenha a noção do poder desta família, eu relembro que eles ficarm muito irritados e ameaçados quando um líder religioso, Moisés, mandou abrir uma estrada ligando as duas margens do Mar. Foram privados do mais elementar direito de liberdade. Foram impedidos de ir e vir. Sentiram-se aprisionados. Foram bloqueados. Não puderam transitar livremente no sentido Norte-Sul por um período curto, mas inesquecível. Os Tubarões reclamaram, protestaram, ameaçaram processar. Para compensar o fechamento, Moisés ofertou centenas de soldados para alimentar a corte dos tubarões.
Apesar da dispensa lotada de apetitosos soldados, precisavam se prevenir contra possíveis novas intervenções humanas. A família se organizou, juntou riquezas e estudou, durante 3000 anos, diversas possibilidades. Contrataram um francês, Ferdinand Lesseps, para abrir uma rota de fuga até o mar mais próximo, o Mar Mediterrâneo. A obra foi tão bem planejada e executada que resultou em vantagem adicional de alimentar de operários todo o clã durante uma década.
Os livros não revelam tudo por falta de pesquisa dos historiadores. Estudando os hieróglifos encontrei mais fatos curiosos.
Com a morte de Ptolomeu XIV os filhos, Ptolomeu XIV e Cleópatra herdaram juntos o trono egípcio. A encantadora Cleópatra, como todos sabem era muito bonita e costumava se enfeitar com jóias e pedras de todos os quilates. Cleópatra era conhecida por adorar jóias, poder e gatos. Só alguns poucos súditos conheciam a paixão da rainha por tubarões.
Contrariando os desejos do pai os irmãos brigavam pelo poder e Ptolo (esse era o aplelido do mano) a expulsou do reino. Ela pegou carona num navio e foi parar em Roma onde seduziu o imperador Júlio César. Voltou ao Egito com o apoio dos romanos para aniquilar o exército faraônico e destronar o irmão.
Todos, incluindo Ptolo, vivos ou mortos, foram oferecidos à familia Tubarão no mar ao leste do Egito. A parentada Tubarão se banqueteou durante meses num episódio singular. As águas verdes foram tingidas de púrpura originando o nome do Mar Vermelho.
Desde então, Cleópatra sempre servia algum escravo ou desafeto aos bichos de estima. O próprio marido jamais foi encontrado depois que ele a questionou sobre trocas de cartas e olhares com o governador Marco Antônio.
Marco Antônio se juntou a Cleópatra e governaram a porção Oriental do Império Romano sempre alimentando os tubarões a partir do balneário de Sharm El-Sheik.

Um novo conto
sempre baseado em notícia de jornal .
Sempre às quartas-feiras antes das 18h.
Sempre entre 2959 e 2997 caracteres.
Sempre com bom humor.
Como um colunista à espera de um convite para um grande jornal.

03 dezembro 2010

Quem come o ovo?



Maior que o desafio de colocar um ovo em pé é repartir um único ovo à mesa de jantar de uma família.
O solitário ovo deve ser dividido sob um telhado de zinco entre uma mulher grávida, o marido e uma filhinha esquelética.
Impossível?
Todos juntaram as mãos em oração para agradecer a generosa refeição. O ovo é de avestruz e não de codorna.

01 dezembro 2010

Que país será esse?

O primeiro-ministro russo, Vladimir Putin, ganhou de presente um novo cachorro de estimação. E, como não tem idéia sobre qual nome colocar no bichinho, teve uma idéia genial: chamar o povo russo para dar sugestões. Na última quarta, Putin divulgou, em comunicado no site oficial do cargo no governo russo, que aceita sugestões de internautas para batizar o cão. CB – Você sabia?, 29/11/2010


Numa certa manhã de inverno o jornal anunciava na primeira página que a colheita de trigo foi excepcional, que a vitoriosa seleção de futebol estava com novo técnico e que o inverno não seria muito rigoroso.
Na mesma manhã os muros da capital amanheceram com letras anônimas afirmando que o técnico de futebol desapareceu misteriosamente, que o pão continua ausente nas gôndolas e que a próxima estação será sempre pior.
Na escola, a criançada aprende a biografia do grande líder da nação. É relevado que o querido presidente à frente de uma equipe dinâmica é um defensor incansável do trio saúde, segurança e educação.
Nos apertados transportes coletivos – ônibus, trem ou caçamba de caminhão – tudo pode acontecer além de assaltos e assédios. Os veículos podem até chegar no horário e às vezes ir até o destino sem quebrar.
Nas fábricas, os operários, heróis da nação, trabalham apenas 14 horas diárias e recebem, a preços simbólicos e subvencionados pela pátria, uma refeição balanceada. Exatos 300 gramas.
Nos contracheques, mês a mês os números são cada vez mais expressivos. Em aumentos sucessivos crescem os números dos impostos a pagar.
Nas repartições públicas há uma coleção interminável de carimbos. Os raros funcionários que comparecem ao serviço desconhecem a finalidade dos carimbos por isso encaminham as pessoas das filas ao próximo guichê da próxima repartição.
Nos hospitais, para compensar a falta de médicos, enfermeiros e auxiliares há pacientes espalhados nas camas, corredores e até nas prateleiras vazias de remédios.
Nas prisões de segurança máxima não há assassinos nem estupradores. Não há corruptos nem corruptores. Os ocupantes das celas são homens com as línguas cortadas por ousaram inventar mentiras à respeito das ações dos mandatários do governo.
Nas covas rasas, jornalistas ou não, estão os que se rebelaram contra o sistema e pediram eleições.
Do trono dourado do palácio, o presidente discursa em rede nacional de rádio e televisão elogiando ações e a própria generosidade. Sempre solícito com o clamor popular oferece eleições para daqui a cinco anos.
Em todas as cidades o governo promove festas com discursos, música e rojões. Nas praças e avenidas o povo comemora a bondade. Releva o tempo de espera, esquece mordaças, perdoa maldades e volta a sorrir esperançoso com o fim da ditadura.
Na exata data marcada o governante-mor convoca eleições gerais. O voto não é obrigatório. Vota quem quiser.
Apresenta uma lista com seis nomes. A população vai às urnas. Após a apuração, o nome pelo escolhido pela sabedoria popular será para batizar o novo poodle presidencial.



Ainda não fui chamado para assinar contrato com A Folha, Estadão, Correio Braziliense, Zero Hora, Estado de Minas ou Globo, mas já recebi convite para ser publicado no Tagualetras de Taguatinga e A voz de Goiânia.
Todas as quartas-feiras, até as 18 horas, apresento, no meu blog, um texto com provocação originada em artigo do Correio Braziliense. O texto é limitado entre 2959 e 2997 caracteres.
Sou persistente e acredito na qualidade e constância da minha escrita. Por isto aguardo convite para ser colunista remunerado.

24 novembro 2010

Faça sua aposta

O anúncio do casamento do príncipe William – o segundo na sucessão ao trono da Grã-Bretanha – com a plebéia Kate Middleton começou a mobilizar os britânicos, que lotaram as casas de apostas para especular sobre a data e o local da cerimônia. CB – Internacional, 18/11/2010


Londonópolis é uma pequena cidade fundada por ingleses que construíram a estrada de ferro no final dos anos 1800. A cidade encravada no meio das montanhas foi esquecida nas névoas do tempo quando os governantes do país abandonaram as locomotivas. A neblina produzida pelo rio Cãmisa também impede que os habitantes vejam as horas no Tiqueaçu (tiqueaçu, é o equivalente a Big Ben em tupi).
Apesar do isolamento, a cidade se desenvolveu muito desde a revolução industrial, tanto que produz os próprios veículos automotores. E sempre quando um novo prefeito toma pose no cargo, desfila nas ruas a bordo de um possante Rollsronca.
Todos trabalham muito. A alta produtividade estimulou a adoção da semana inglesa. Nas horas de folga a população anglo descendente, quando não joga bridge, fala mal dos franceses ou se entrega aos prazeres do cultivo e da poda promovendo acirrados campeonatos de jardinagem.
Contei sobre o cenário e os costumes do local para ambientar o personagem central dessa história.
William VI, 37 anos, de porte atlético, olhos azuis, bem falante, nobre e rico. É descendente direto de William I que projetou a cidade e, apostando no sucesso do empreendimento, comprou todas as terras circunvizinhas. Empreendedor, plantou ares e hectares de chá nas encostas das montanhas. Os negócios se expandiram de tal forma que estabeleceu pontes de comércio com outras capitais e um viaduto do chá com São Paulo.
O herdeiro das fazendas mantém e incentiva o costume tradicional do chá com torrada às cinco horas. Com a elite da malandragem Londonopolitana inovou ao tomar uísque sem gelo meia hora depois para falar de negócios, cavalos, soccer e mulheres, of course.
Nesta tarde foi diferente. Os dois jornais, O Guardião e Espelho Diário anunciavam o seu casamento em letras garrafais com uma plebéia. A linda noiva de apenas 21 anos sabe tocar as músicas de Elton John ao piano, cozinha o melhor pudim yorkshire da região e sabe, como ninguém, servir a tradicional cerveja quente.
Em mais um costume herdado dos ancestrais britânicos, os tabloides também diziam que estavam abertas as apostas em torno do casamento do século. As bancas de jogo dispunham de listas e mais listas de questões apostáveis.
Quem levará as alianças? Quem serão os padrinhos?
Qual será o recheio do bolo? Chocolate, blueberries, ou strawberries?
Onde será a recepção? No Liverpool pub, no Hotel Shakespeare, na Maison Agatha Christie ou no Wimbledon Center?
Não foram abertas apostas para a cor do vestido.
Para os amigos de copo e mesa do noivo tudo isso é uma grande bobagem. Apenas outro factoide para vender jornais. A aposta mais importante é adivinhar por quantos dias após o casamento William VI se manterá fiel?



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17 novembro 2010

O cantor de intervalos


Uma agressão inusitada em Ribeirão Preto, cidade do interior paulista, a 300km de São Paulo. Jefferson Fabiano Ferreira Correa, 28 anos teve a boca grudada com cola instantânea na manhã de ontem. Ele foi atendido no Pronto-Socorro Central da cidade para descolar os lábios. CB – Brasil, 17/11/2010



João Tatu era um sujeito grande. Muito grande. Tão grande que as camisas eram GGGG. Pedia a uma costureira para confeccionar camisas especiais.
– Dona Maria quanto eu compro de tecido?
– Dois hectares devem ser suficientes.
Os dois hectares de pano mal cobriam a tatuagem tribal nas costas. Um casal de elefantes fazendo amor, uma girafa colhendo uma fruta, um leão brigando com um tigre, um leopardo correndo atrás de uma gazela. Enfim, se eu descrevesse todo o cenário ambientado na savana africana eu escreveria um livro de 600 páginas.
É certo que a cortina cobria as costas, porém alguma parte dos braços, pernas ou pescoço ficavam à vista tornando-o um outdoor vivo. Impossível passar despercebido numa multidão.
Naturalmente, João recebeu o apelido por causa das diversas tatuagens em todo o corpo e não porque se escondia debaixo da cama, enquanto era possível, quando sentia medo.
Um dos prazeres de João Tatu era frequentar bares com música ao vivo. Todos os fins de semana escolhia algum. Sentava-se sozinho numa mesa próxima do cantor e na hora do intervalo levantava-se, se encaminhava ao palco, ajeitava o microfone e sem nenhum constrangimento, atacava uma canção no mesmo estilo do artista oficial. Sabia todas as letras de todos os sambas, boleros, MPB, rock nacional e internacional. Com ele não existia preconceito contra música sertaneja, pagode ou ópera. Cantava de tudo. Cantava de tudo sem acompanhamento. À capela.
Cantava sem acompanhamento porque era muito ruim. Não havia piano, violão, guitarra ou saxofone que acompanhasse suas notas fora de tom. Via de regra desligavam a energia do microfone e João retornava cabisbaixo para seu lugar.
João, bom brasileiro, não desistia. Procurava outro bar e pacientemente cavava a vez de subir ao palco. Às vezes até pedia. Quando atendido, inventavam uma desculpa qualquer limitando a cantoria a apenas uma rápida exibição.
Apesar de eternamente rejeitado sentia-se o rei da voz. Dizia que faltava apenas a sorte de ser reconhecido por algum grande empresário e ter a carreira alavancada para o mundo.
Começou a procurar casas noturnas maiores, com mais freqüentadores. A história se repetia. Após rápida apresentação era convidado a se retirar. A insistência transformou os delicados convites para retirada em expulsões. João tornou-se conhecido não pela voz, mas pela inconveniência.
Numa noite de lua minguante João Tatu, apesar do tamanho, driblou os leões de chácara da cantina italiana vizinha e empunhou o microfone.
Precisou fugir após os xingamentos e objetos arremessados. Os furiosos seguranças seguiram o desafinado até em casa.
Encontraram-no sob a mesa da sala e colaram-lhe a boca com cola instantânea.



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Por que? Porque aguardo convite de algum deles para ser colunista remunerado.

16 novembro 2010

Quando eu morri

Levei três tiros antes mesmo do amanhecer. O primeiro, por trás, na nuca, base do pescoço.
Uma rosa de sangue sujou meu colarinho. Procurei olhar no espelho, mas não enxerguei nada. Eu me sentia bem, anotei o endereço peguei o carro e fui para a casa. Desconhecidos me vestiram um pijama e pediram que eu fosse para a varanda. Mandaram que eu me deitasse no chão. Levei os outros dois tiros. Foram nas costas. Entre as costelas, na altura dos pulmões.
O sangue do pescoço já estava escuro e um enorme e pavoroso hematoma assinalava a violência sofrida. Agora o sangue saía também por dois buracos do meu pijama. O líquido, que imaginei ser quente, escorria gelado pelas costas manchando o piso empoeirado.
A varanda era enorme, talvez uns trezentos metros quadrados. Churrasqueira, bar. Os banheiros masculino e feminino serviam também de apoio para a piscina e para a sauna. A varanda era o cenário perfeito para grandes festas com políticos, jogadores de futebol, modelos e colunistas sociais disputarem espaços e champanhes. Deduzi que a mesa espelhada fosse o suporte para fileiras do pó da alegria. Ao lado da varanda havia um enorme jardim assinado por um paisagista renomado. Observei que, apesar do sol já estar no alto, as luzes do gramado permaneciam acesas.
É muito desconfortável morrer num chão duro e sob um sol escaldante.
A ambulância estacionou no meio do jardim. O carro da perícia também parou no gramado da casa desenhando trilhas de pneus na grama japonesa. As luzes estroboscópicas em cima da viatura anunciavam o fim da festa. Em vez de DJ, o rádio berrava palavrões do delegado.
Os policiais e os paramédicos não deram a mínima importância. Ninguém veio verificar meu pulso.
Minha mulher também levou três tiros e agora, ao invés da cama, dividia o mesmo granito quente e empoeirado. Estava a um metro e meio de mim. O rosto inchado pela bala estampada na têmpora direita a deixava pavorosamente irreconhecível. Os olhos azuis contrastavam com o violeta da pele. Os cabelos loiros e cheirosos estavam empapados de sangue endurecido. Mesmo estirada, ela continuava sensual naquela camisola de seda branca maculada de púrpura brutal. Parecia lançar moda de horror.
O nosso filho estava junto de nós, eterno egoísta, tinha sua própria poça de sangue, resultado de três tiros no peito e um na testa. Nossa família, sempre unida, estava agora, sujando um pequeno espaço do piso da varanda.
Ficar naquela posição defunta era muito desconfortável.
Perguntei para minha esposa se ela estava pronta para ser colocada no saco preto e ser lacrada com um zíper. Como sempre, não respondeu.
Minha posição, deitado de lado, não permitia um bom ângulo de visão. Além disso, não sabia onde foram parar meus óculos. No máximo, via os sapatos daqueles que nos rodeavam. Muitos sapatos diferentes.
O sol de meio-dia esturricava nossa pele. O suor se misturou ao sangue. Estávamos sem protetor solar.
Um moço de tênis cotelê verde providenciou três guarda-sóis. O alívio foi imediato. Desejei que aquele moço fosse um eunuco e então providenciasse ventinho com um enorme abano de plumas.
Meus sentidos estavam prejudicados. Mesmo assim pude ouvir um sabiá assobiando docemente numa amoreira no fundo do jardim. Aprendi que a morte é lírica e acompanhada de canto de passarinhos.
Apareceu uma sandália havaiana. A dona se abaixou e perguntou se eu queria uma água de coco.
Respondi, irônico, que naquela posição só poderia tomar água de coco se me arrumasse um canudinho. A sandália não voltou mais.
Dizem que o sangue é doce. E eu acreditei. As formigas começaram a fazer fila indiana nas minhas costas.
Um par de sapatos pretos com solado grosso se aproximou e começou a me fotografar. Os flashes pipocavam e minhas pupilas acusavam o incômodo.
– Puxa, quando será vão me deixar em paz? – resmunguei baixinho.
Atrás de mim ouvi um diálogo:
– São só esses três?
– Não. Tem mais um ali, na ambulância.
Eu reconheci aquelas vozes: Selton Mello e Carlos Alberto Riccelli.
Então a morte é lírica com canto de passarinhos e vozes de atores globais. Concluo que morrer pode ser interessante.
O par de sapatos pretos com solado grosso retornou e voltou a pipocar flashes. As vozes de Selton e Riccelli repetiram o mesmo diálogo mais umas três vezes.
Morrer pode ser interessante, mas muito repetitivo.
Agora apareceu um sapato marrom. O dono do sapato se abaixou e com uma fita crepe marcou no chão a minha posição. Quando os contornos estavam assinalados ordenou:
– Preste bem atenção para retomar sua posição depois. Agora os atores vão descansar e depois retomaremos a filmagem no mesmo ponto. E cuidado para não melar a casa com a gelatina vermelha.

10 novembro 2010

Um dedo no passado


“Vinte e nove mil anos depois da extinção do homem de Neandertal, o Homo sapiens começa a fazer descobertas reveladoras sobre o estilo de vida desse primo distante. Uma delas, publicada ontem pelo Journal Prociedings of the British Royal Society, acaba de descrever um atributo até então desconhecido, dos abrutalhados homens das cavernas: sua intensa atividade sexual. E para chegar a essa conclusão, os pesquisadores se basearam no comprimento do dedo de fósseis encontrados, que segundo especialistas, pode indicar promiscuidade.” CB – Ciência 4/11/2010

O mulherio se atirava aos pés de Joe. As garotas tinham orgasmos múltiplos ao vê-lo desenvolver passos dificílimos nas pistas de dança calçando enormes sapatos número 46. Joe Louis era o ídolo e fazia o maior sucesso entre as mocinhas do colégio. Tocava violão, cantava as músicas do momento, penteava os cabelos com brilhantina, tomava cuba libre com limão e esnobava com a lambreta vermelha. Um dia descobriram que o sucesso dele era resultado de apurado marketing. O nome fictício escondia o verdadeiro João Luís que calçava 38.
A propaganda ocorria porque o rei do Rock and roll, Elvis Presley, era vivo e enlouquecia as fãs com Love me tender. Nomes e palavras em inglês arrepiavam até os cabelos da nuca das mocinhas estudantes nos internatos. Entre elas também corria a lenda de que o tamanho do pé masculino era proporcional ao membro reprodutor.
Pois a professora de música do Elvis, Dona Carlota Beatriz, era facilmente reconhecível. Usava uma anágua por debaixo da saia, coque nos cabelos prateados e blusa de bordadinhos fechada no pescoço com um broche de ametista. Como professora de piano das antigas era adepta da palmatória. Rigorosíssima na hora de escolher os alunos. Obrigava-os a longas sessões para verificar a habilidade motora de ambas as mãos. Os escolhidos eram sempre os alunos com os dedos mais longos. Diz outra lenda que ela iniciou o menino Elvis também na música. Os tempos eram outros e as crenças também.
Num passado um pouco mais distante, e isso não é lenda, os homens peludos guerreavam com outras tribos para garantir territórios visando a colheita de laranjofructus e fitobananus além da caça de boissauros, porcodontes e galinoraptores. O resultado das investidas no campo era assado em festivos churrascos. Era também o momento em que as fêmeas escolhiam seus parceiros.
Os candidatos se esforçavam ao máximo para chamar a atenção: assobiavam como sabiácus, uivavam como lúpusrex, cantavam imitando curióterix. Os dotes artísticos eram mostrados exaustivamente numa festa que adentrava a noite até que finalmente acontecia o clímax com a dança dos estalactites.
Os homens num ritmo sensual levantavam as mãos espalmadas o mais alto possível procurando tocar os inalcançáveis estalactites das cavernas. As mulheres se excitavam e rapidamente selecionavam um parceiro. Confirmavam a escolha colocando um anel no dedo maior.
Qualquer semelhança com os dias atuais não é mera coincidência.


Conto ou crônica? Artigo? Quem sabe? Pois este texto, como os 13 anteriores, tampouco foi publicado em periódico graúdo. O autor aguarda chamamento para produção semanal remunerada a partir de notícia de jornal. Este é o 14.o texto seqüencial composto com número limitado de caracteres.

03 novembro 2010

A bomba de Darwin


“As Ilhas Galápagos, famosas por serem local de estudo do biólogo Charles Darwin (1809-1882), autor da Teoria da Evolução, foram palco de uma nova descoberta na última quarta. De acordo com o governo local, pescadores encontraram uma dúzia de bombas cuja origem data da Segunda Guerra Mundial.” CB – Você sabia... 01/11/2010.




O inglês, visivelmente emocionado, anotou a data no diário de viagem: quarta-feira, 27 de outubro de 2010. Enquanto lembranças adolescentes embalavam sonhos, anotou em letras garrafais o desembarque na Ilha de Galápagos. Ainda se lembrava da voz rouca do professor de história natural quando explicava a Teoria da Evolução das Espécies em que tudo se desenvolve de forma diferente de outros locais para sobreviver em determinadas condições do meio ambiente.
Darwin observara que o arquipélago isolado era um laboratório fantástico. O mesmo passarinho se desenvolvera de forma diferente em cada ilha em função dos predadores naturais e da alimentação disponível. Já o professor do nosso personagem dizia que em um lugar as cotovias eram brancas noutro eram amarelas. O bico era maior em algumas ilhas do que em outras. E que não havia uma única cotovia na ilha habitada por gatos selvagens, pois evoluíram para uma espécie de pit bull.
No escaler, a caminho do ancoradouro, lembrava as aulas animadas em que o mestre explicava como as tartarugas gigantes de Darwin subiram nas árvores, transformaram-se em macacos, evoluíram, desceram e passaram a se alimentar em restaurantes.
No mesmo instante em que chegava ao cais, encostava um barco pesqueiro com artefatos estranhos. Eram bombas remanescentes da Segunda Guerra. Os ilhéus as desembarcaram transportando-as como se fossem brinquedos inofensivos. O inglês identificou o perigo apontando a parte de trás com a placa metálica onde se lia “10 megatons, made in USA”.
Os pescadores evoluídos tranqüilizaram-no num inglês britânico, digno de doutor da universidade de Cambridge, que aquelas bombas estavam enterradas no mínimo há 60 anos em solo Galapagalês, um ambiente diferente daquele de onde haviam sido fabricadas, portanto se modificaram com o tempo.
O inglês se apavorou imaginando que ao invés das 10 megatons a bomba poderia evoluído para uma bomba atômica.
Atabalhoadamente puxou um revólver e mandou que pousassem a bomba suavemente no chão. No mesmo instante um dos pescadores puxou de uma faca e os outros deixaram a bomba cair. Pacífico, o pescador mostrou a faca: era uma faca cega e sem ponta. Disse que a ilha era de paz, que ali ninguém ameaçava ninguém, que as facas evoluíram, que não precisavam cortar nem furar. O inglês guardou a arma.
Com calma, o pescador, começou a cutucar o detonador e nada aconteceu. Virou a faca e, com o cabo, martelou o detonador.
O inglês, desesperado, começou a se afastar de costas sem tirar o olho da bomba enquanto o marujo martelava.
Tanto bateu que a bomba explodiu num enorme festival de fogos de artifício.
No céu formou-se a palavra “peace”.


Este conto também não foi publicado no Estadão, Globo, Folha, Zero Hora, Estado de Minas ou Correio Braziliense. Nem em lugar algum. Pudera! Só agora estou colocando à disposição.
O texto da próxima semana poderá estar. Basta me contratar para escrever um conto semanal como este que é resultante de notícia publicada nesta semana no Correio Braziliense.
Os textos limitados entre 2958 e 2997 caracteres estarão no blog todas as quartas-feiras antes da 18h.

27 outubro 2010

Presidiários de paladar apurado

“Uma pesquisa feita por cientistas da Universidade de Manchester pode explicar uma questão que existe desde que o homem começou a voar: “Por que a comida servida nos aviões é tão ruim?”. Segundo o estudo, publicado na revista científica Food Quality and Preference, o barulho do ambiente pode interferir na percepção do sabor e textura dos alimentos.” - Você sabia... - CB 25/10/2010


Todos os dias, invariavelmente, a fila era enorme no almoço ou jantar. Para enfrentar a meia hora de espera discutiam futebol, ofendiam o diretor e praguejavam sobre a comida. Mas estavam lá no dia seguinte e no outro e no outro, mês a mês, anos a fio. Quando chegavam ao balcão estendiam um bandejão metálico onde lhes despejavam duas colheradas de arroz, outra de purê de batatas, duas conchas de feijão, alguma verdura molenga e um objeto que chamavam de carne. Às vezes uma laranja ou uma banana.
As enormes fileiras de mesas pregadas ao chão eram disputadas por dois mil homens que arrastavam cadeiras para sentar. As paredes refletiam o som dos cinco aparelhos de televisão espalhados nos cantos do refeitório. A escolha do local não era voluntária. Não dispunham de outro endereço ou opção. Os homens eram prisioneiros da comida da casa de detenção.
Continuamente insatisfeitos estavam sempre reclamando. Diziam que o leite estava azedo. Reclamavam do arroz empapado, lamentavam as verduras podres. Afirmavam que nem a pimenta disfarçava o péssimo gosto da comida. Resmungavam a ausência de frutas. Queixavam-se que a carne era pouca porque já não havia gatos na região. Nem ratos. Eram perpétuos insatisfeitos com o paladar da intragável comida.
Ao contrário da eterna rotina de reclamações, protestaram escandalosamente numa quarta-feira. A multidão estava irada. Homens socavam as mesas, batiam canecas e gritavam palavras de ordem por comida melhor. O barulho no refeitório estava ensurdecedor. Era impossível ouvir o noticiário na televisão que sempre estava no volume máximo. Os prisioneiros pareciam animais irracionais rejeitando a velha ração de marca suspeita.
Só jatos de água fria acalmaram a balbúrdia e no mesmo dia o diretor convocou o responsável pela cozinha exigindo um relatório detalhado sobre a situação.
Para se isentar de qualquer culpa ou até eventuais suspeitas da qualidade dos banquetes oferecidos aos cidadãos enclausurados, o chefe da cozinha, com números e gráficos, relatou e comprovou que a comida era balanceada e oferecia todos os nutrientes, calorias e vitaminas recomendadas pelas rigorosas normas internacionais. O autodenominado mestre-cuca, que advogava melhor que um causídico diplomado e juramentado, para se isentar das acusações anexou ao relatório um estudo científico que afirmava que o barulho do ambiente interferia na percepção do sabor e textura dos alimentos. Desta forma desembaraçou-se de incriminações e transferiu a culpa à deficiência no sistema carcerário. Finalizou o documento sugerindo a aquisição de protetores auriculares aos detentos na hora das refeições.


Este conto também não foi publicado no Estadão, Globo, Folha, Zero Hora, Estado de Minas ou Correio Braziliense. Nem em lugar algum. Pudera! Só agora estou colocando à disposição.
O texto da próxima semana poderá estar. Basta me contratar para escrever um conto semanal como este que é resultante de notícia publicada nesta semana no Correio Braziliense.
Os textos limitados entre 2958 e 2997 caracteres estarão no blog todas as quartas-feiras antes da 18h.

20 outubro 2010

Feliz aniversário, rainha

“Em tempos de austeridade econômica, a rainha Elizabeth II cancelou a festa de Natal que oferece a cada dois anos para os funcionários do Palácio de Buckingham. A comemoração, marcada para 13 de dezembro, permite que os cerca de 600 empregados confraternizem com a família real em uma situação mais informal.” CB – Mundo 15/10/2010.

Era uma vez um castelo onde vivia um rei muito bonzinho. A sua esposa, a rainha, era muito má. Sempre que ia a um aniversário de criança estourava os balões assim que chegava. Não satisfeita, mesmo antes da hora de cantar o parabéns comia vários brigadeiros. Só a convidavam por retribuição às festas que Sua Alteza promovia. E o rei gostava de festança.
Quase todos os meses a majestade inventava motivo para festejar. Na chegada da primavera todos os convidados recebiam flores e o castelo ficava perfumado. Na Páscoa, crianças e adultos procuravam ovos de chocolate escondidos nos jardins do palácio. No verão o rei permitia que tomassem banho no lago que ficava ao redor do castelo. Os empregados levavam as crianças para andar nos pedalinhos. Garçons ofereciam cerveja para os homens, fatias de bolo para as mulheres e taças de sorvete de chocolate para a criançada. Às vezes o rei inventava corrida de bicicleta. Outras, fazia concurso para ver quem pintava o quadro mais bonito. Havia jogo de futebol, gente pulando corda ou brincando de bambolê.
A rainha era a maior estraga prazeres sempre estava de mau humor e resmungava muito. Quando uma criança barulhenta estava por perto acertava uma bengalada na cabeça.
Numa tarde quando os pais e seus filhos empinavam pipas a rainha apareceu com uma enorme tesoura na mão. Foi um deus-nos-acuda. Ela corria com a tesoura na mão abrindo e fechando as lâminas de forma ameaçadora. Parecia uma bruxa. Antes que conseguissem recolher a pipa a tesoura cortava a linha. Era choro de um lado e gargalhada do outro.
O rei adorava crianças, mas não teve nenhum filho para chamá-lo de príncipe herdeiro por isso fazia grandes noites de Natal. Ele mesmo vestia uma roupa vermelha, colocava uma barba de algodão e distribuía bolas, bicicletas e bonecas. Muitos presentes. Presentes para todos os pequenos do reino. Nestas noites a rainha sempre ficava emburrada e atrapalhava o coro ao cantar Noite feliz. Precisava acabar com a alegria.
Um dia reuniu-se com o ministro das finanças, alegou excesso de despesas. Para cortar gastos decretou o fim do Natal.
Toda a população ficou muito triste. Adeus peru e pernil. Adeus vinho e refrigerante. Adeus panetone e rabanadas reais. Adeus presentes. Adeus alegria e confraternização.
Mas o rei que era muito esperto e gostava de festas não se deixou abater. Dois dias depois mandou publicar outra lei que dizia que a partir da publicação a rainha faria aniversário todos os meses. Assim festejou muitas vezes o rápido envelhecimento da rainha que logo logo foi para o beleléu.
E o reino voltou a ser feliz para sempre.
Moral da história: quem com festa fere com festa será ferido.


Conto infantil não publicado na Folha nem no Estadão. Tampouco no Zero Hora ou Correio Braziliense. Poderia ter sido no Estado de Minas ou no Globo. Por enquanto só no blog.
Décimo primeiro publicado semanalmente, sempre às quartas, com tamanho pré determinado de caracteres e provocação resultante de artigo publicado no Correio Braziliense. Mostro o trabalho visando convite remunerado para ser colunista em grande jornal.





Imagem: Castelo de Mespelbrunn

13 outubro 2010

Greve do cão


“Lambidas de cachorro podem parecer carinho, mas na verdade são apenas uma forma que os animais têm de identificar por onde o dono andou, diz a pesquisa norte-americaana. Como são animais com muita sensibilidade a cheiros e sabores, os cães fazem a festa, experimentando novas sensações quando seus donos voltam da rua.” CB – Ciência 09/10/2010.

Todos estavam tensos. Nervosos. Temiam a presença de espiões entre eles. Ao entrarem no austero prédio foram vasculhados minunciosamente e sequer uma pulga foi encontrada.
Civilizadamente caminharam sobre o piso de granito de Assuã – o mesmo das pirâmidas egípcias – admirando as pinturas dos mestres Boticelli e Donatello do renascimento florentino, para se acomodarem na mesa de jacarandá doada por Rui Barbosa. Estava reunida em Haia, na Holanda, a cúpula dos cães farejadores do planeta. Era uma quarta-feira.
O artigo publicado nos jornais mundo afora encimava a pauta da reunião extraordinária.
A mesa redonda distribui o poder de forma equilibrada entre os presentes. O pastor alemão Lutero representa os farejadores de palavrões nos livros escolares. O labrador golden retriver Strongnose é o diretor de operaçãoe especias nos aeroportos da costa oeste dos Estados Unidos. É capaz de identificar a cidade de origem de qualquer americano pelo cheiro do chiclete. Batalão, é um premiado vira-latas da Rocinha: localizou um torcedor do América em dia de Maracanã lotado. Talmud é policial reformado do exército. Se aposentou antes de encontrar a paz no terrítório israelense. O mastiff Eticus nascido em Roma, é especialista em fungar políticos. Em doze anos de serviço foi capaz de localizar dois honestos.
Com o austrero cenário descrito, alguns personagens apresentados e o microfone do tradutor simultâneo desligado para evitar gravações, deu-se início à reunião.
Todos rosnaram simultaneamente.
– É um absurdo o que fazem conosco. Temos que dar um basta nesta situação abusiva.
– Exigimos o máximo de oito horas de trabalhos diárias.
– Precisamos de descanso semanal.
– Chega de ração. Exigimos comida decente.
– Também temos direito à sobremesa.
– Chega de banhos em quartos de empregada. Precisamos de banheiras com hidromassagem.
Apenas o sindicalista Arnoldo estava quieto no seu lugar. No momento certo latiu mais alto, silenciou todos. O pitbull conhecido por seu temperamento agressivo e apelido de Exterminador afirmou que precisavam de uma proposta única. Consequentemente todas as reinvindicações foram anotadas e por unanimidade foi votada e aprovada que iriam exigir o direito de lamber e cheirar bifes de filé minhão.
E agora sim, Arnoldo, com sua larga experiência apresentou a grande arma secreta, o único meio de persuadir os homens a terem boa vontade. Uma greve.
- Todos, até o cachorro do cafezinho, latiram em coro: Unidos unidos jamais seremos vencidos; unidos unidos jamais seremos vencidos.
Foi deflagrada a greve por tempo indeterminado. A partir do dia seguinte todos os cães da face da terra deixariam de abanar o rabo.



Conto não publicado em jornal. Nem Folha de São Paulo, nem Globo. Tampouco Zero Hora, Correio Braziliense ou Estado de Minas.
Décimo texto semanal consecutivo baseado em notícia publicada no Correio Braziliense. Aguardo convite para assinar contrato oficial de colunista.
Todos os textos tem tamanho pré definido (entre 2.959 e 2997 caracteres) , data (sempre às quartas-feiras) e hora (até 18h) para publicação no blog.

06 outubro 2010

Gato rosa choque

“Já imaginou encontrar um gato cor-de-rosa andando pela rua? Foi o que os moradores de Swindon, Reino Unido, viram na última semana. O animal foi levado para uma veterinária, que chegou a lavá-lo para remover a tinta, mas não conseguiu. O responsável pelo abuso? A própria dona do felino, Natasha Gregory. 22anos”. CB – Você sabia... 04/10/2010

Romário Dantas Albuquerque e Silva é um gato com árvore genealógica nobérrima. Nos tempos do Império, sua trisavó miava em colo de condessa e mastigava perdiz francesa. De geração em geração os tempos mudaram. Acrescentarem Silva ao sobrenome. Em vez de doutor Romário, chamam-no simplesmente Romrom. Para piorar a situação a dona pintou-o cor-de-rosa.
Os amigos do beco riem e caçoam do rosado Romrom. As fêmeas o desprezam. O rei do pedaço virou princesa.
Mas o felino esperto, conhecedor das leis e dos seus direitos digitou um longo ofício e, com o pelo ouriçado, dirigiu-se ao Juizado Especial de Pequenas Causas.
Solicitou indenização por danos morais. Sua honra fora ofendida. Fora posto em situações vexatórias. Afirmava-se constrangido, humilhado, ultrajado, vilipendiado, aviltado, rebaixado e outros ados que não valia a pena relacionar. Além dos danos morais exigiu indenização por danos materiais. Questionou se sabem quanto cobra um coiffer de shopping center. Primeiro descolorir, depois reidratar. Pintar novamente. Ainda é preciso fazer escova progressiva. Perguntou pela reconstituição do desenho da mancha peitoral. Garantiu ser a característica que identifica a família a séculos. Jamais será o mesmo Romário. Foi descaracterizado. Acredita que nem em duzentas sessões de psicoterapia recuperará a auto-estima. Em vez de caminhar nas cumeeiras dos telhados passou a rastejar junto aos rodapés.
Quando se esgueirava pelos cantos observou sua foto estampada nas revistas expostas nas bancas de jornal. Estava em todos os exemplares. Jornais sérios e revistas fofoqueiros. Elitistas e populares. Sempre ele, com a detestável cor pink. Colocou-se de pé, apoiado apenas nas patas traseiras para enxergar melhor. Lembrou-se da entrevista que dera a um jornalista. Informou idade. Escondeu a identidade. Deixou-se fotografar somente após muita insistência. E um pratinho de leite gelado sobre uma nota de cem dólares.
Antes de ler todas as manchetes foi cercado por uma legião de adoradores e meia dúzia de repórteres caçadores.
– É verdade que já tentou o suicídio?
– Mais uma foto só para garantir?
– Você vai à reunião do seu fã clube?
– Qual a marca da sua escova de dentes?
– Para onde você vai viajar quando ganhar a indenização?
– Me dá um autógrafo?
– Qual a mensagem que o senhor gostaria de dizer sobre as sociedades mais atrasadas que fazem churrasquinho de gato?
– É verdade que a sua dona o deixava trancada no quarto?
– Quantas bonecas tem sua coleção de Barbies?
Romrom estava acuado com todo aquele assédio. Só não recuou diante de outra pergunta.
– Porque todo esse ódio à sua dona?
– Minha cor predileta sempre foi azul turquesa.







Conto não publicado em jornal. Nem Folha de São Paulo, nem Globo. Tampouco Zero Hora, Correio Braziliense ou Estado de Minas.
Nono texto semanal consecutivo inspirado em notícia publicada no Correio Braziliense. Aguardo convite para assinar contrato oficial de colunista.
Todos os textos tem tamanho pré definido, dia e hora limite para publicação no blog.

29 setembro 2010

Mexiriqueiro


Meu analisador estatístico é para lá de enxerido. E fofoqueiro.
Disse para mim, que além dos brasileiros, recebo visita das estranjas. Dedurou que nos últimos 30 dias só de Portugal recebi 15 visitas. Lisboa(4), Portimão(2), Porto(2), Amadora, São João da Madeira, Pombal, Setúbal, Espinho,Vila do Conde e outro município não identificado. Entregou que dois leitores de Luanda, em Angola, também me visitaram.
Pressupôs que um que um leitor de Fresno, na Califórnia se viciou nos meus textos. Disse que percorreu meu blog durante 47 longos minutos. – Vai gostar assim lá no meu blog!
O analisador ainda relacionou 77 municípios brasileiros onde há leitores. Em número de acessos Brasília está em primeiro lugar seguido de perto por São Paulo. Isso é o que dá ter amigos aqui e acolá!
E você, de onde é?

Dinossauros exibem multichifres


“Escavações em uma remota região do sul do estado norte-americano de Utah descobrem série de dinossauros com vários ornamentos na cabeça. Os chifres serviam não só para luta com outros animais, mas como forma de atração para as fêmeas.” CB – Ciência 25/09/2010

Kosmoceratops Richardsoni com seus 15 chifres e Utahceratops Gettyi com seus cinco cornos revezavam-se frente a um espelho do shopping center. O espelho era muito pequeno para os dois simultaneamente.
Utah, o menorzinho, media 3 metros de orelha a orelha. Admirava as próprias guampas. Virava-se para a direita, depois para a esquerda. Meio de ladinho, empinava um chifre de cada vez, sentindo-se o rei do pedaço. Pensava seriamente em pintar um de cada cor. Estava cansado do mesmo tom de azul. Kosmo sugeria passar na Adelaide, a chifrecure do terceiro piso. Foi ela que lhe sugeriu o amarelo por transmitir calor, luz e descontração.
Kosmo e Utah, bons dinossauros que são, carimbam protocolos na mesma repartição. Aos sábados de manhã jogam futebol e sábados à noite se esbaldam num pagode.
Quando o sol se põe, vaidosíssimos, experimentam meia dúzia de camisas. Calça justa de cintura baixa. Cinto com fivelão. Combinam a meia com a cor da camisa. Reclamam dos sapatos. Dizem que estão apertados, que a indústria de calçados é incapaz de produzir sapatos resistentes. Passam brilhantina nos cornos. Kosmo lança moda com o primeiro chifre tatuado da turma: um homem de paletó e gravata segurando uma pasta de executivo. Se perfumam com âmbar francês. Antes de virar a chave para sair de casa pegam um chiclete, pois tudo acontece no interior dos Estados Unidos.
Estão prontos para paquerar e exibir as vastas ponteiras coloridas.
Sentam-se numa mesa perto da entrada para melhor observar e escolher as dinas. Enquanto os enroladinhos de alface não chegam, invariavelmente conversam e debocham dos antepassados de outras eras que se utilizavam dos chifres para brigar com rivais na disputa das melhores fêmeas. Que falta de civilização! Agora não, basta exibi-los para conquistar as mais formosas e curvilíneas fêmeas. Orgulhosamente concluem serem uma espécie evoluída. Conhecem de cor e salteado o discurso feminino. A elas pouco importa o tamanho da calosidade no cocuruto. O principal é a quantidade de adornos. Quanto mais cornos, melhor. Gargalham felizes e inocentes balançando as cabeças premiadas.
As fêmeas chegam aos barzinhos de saia curta balançando os rabinhos e contando cuidadosamente o número de bicos nas cabeças dos pretendentes. Nem querem conversa. Pouco se importam se são pontudos, retorcidos, compridos, furados, galhados, grossos, rombudos ou coloridos. Desejam profusão. Os machos cegos de futilidade, ostentam, além das cores e piercings, chifres com luzinhas nas pontas.
Ao contrário do que concluíram os cientistas, as fêmeas não consideram excitante a grande quantidade de chifres. Elas preferem parceiros muito chifrudos apenas porque significa que são tolerantes e certamente terão maior liberdade sexual. Simples assim!

Conto não publicado em jornal. Nem Folha de São Paulo, nem Globo. Tampouco Zero Hora, Correio Braziliense ou Estado de Minas.
Oitavo texto semanal consecutivo baseado em notícia publicada no Correio Braziliense. Aguardo convite para assinar contrato oficial de colunista.
Todos os textos tem tamanho pré definido, data e hora para publicação no blog.

28 setembro 2010

Como está o tempo em Brasília?

Um amigo virá a Brasília em breve. Perguntou-me sobre o tempo.
Olhei para a névoa.
Estamos há exatos 125 dias sem chuva.
O ar está muito seco. Lábios racham, sangram. Pele e mucosas nasais precisam de umidificadores.
O calor está insuportável com céu bem vermelho como se fosse marketing de partido político. É a poeira do cerrado.
A grama está esturricada. Morta. Basta uma ponta de cigarro para incendiar as vastas áreas plantadas. No horizonte sempre podemos contar dois ou três focos de incêndio.
Sempre é assim. Todo ano é a mesma coisa. Alguns melhores outros piores.
Algumas cigarras aquecem a voz. Formigas protegem a entrada da toca. Os ipês brancos estão floridos anunciando que a chuva está próxima.
Quando cai a primeira gota de chuva as pessoas festejam. A cidade grita alegremente. Comemora como se fosse vitória na final da Copa do Mundo. Euforicamente todos se abraçam e telefonam comentando a novidade. Homens, mulheres, crianças, pobres e ricos se irmanam sob a chuva: festejam. Todos se molham de prazer.
No dia seguinte a grama ressuscita em verde claro pintando a cidade de primavera.
Quando outubro chegar, a cidade estará pronta e colorida para recebê-lo
.

22 setembro 2010

Devolução perigosa

“Na última semana, a biblioteca pública de Winona (Estados Unidos) perdoou as dívidas de todas as devoluções atrasadas de livros. O resultado: um livro perdido há pelo menos 35 anos foi parar na caixa da biblioteca. O exemplar devolvido é de um livro com textos de diários de figuras públicas norte-americanas quando crianças. O livro foi publicado em 1966 e emprestado quatro vezes antes de desaparecer. Não fosse pela semana de perdão das dívidas promovida pela biblioteca, o proprietário do livro perdido teria de pagar mais de US$1,4 mil (cerca de R$ 2,4mil) de multa.” CB – Você sabia... 20/09/2010

A manchete do jornalzinho da pequena cidade americana anunciava que naquele sábado a biblioteca municipal promoveria o dia do perdão. O acervo estava prejudicado. Por maior que fosse o atraso, todos que devolvessem livros naquele dia seriam perdoados nas multas.
John Smith fecha cuidadosamente o jornaleco sobre a mesa e olha para a estante repleta de livros. Com os olhos percorre as prateleiras, uma a uma. Fixa-se numa capa verde clara desbotada pelo tempo. Levanta-se e puxa o livro pela lombada. Uma orelha dobrada indica quando Humbert inicia a longa viagem de prazer, pela Europa, com Lolita. Volta a fechar o livro e se recorda de mil aventuras quando era vendedor de xarope. Sua camionete conhecia todas as estradas do Alabama, Mississipi, Tenessee, Kentucky, Missouri e Arkansas. Em cada cidade, em cada vila, mesmo que houvesse apenas uma única mulher, novinha que fosse, Smith dormia acompanhado.
Coisas do passado. Fui acusado justamente e injustamente. Revoltou-se com o apelido de serial fucker. Cumpriu pena alternativa durante um ano distribuindo basic baskets em um orfanato.
Dizia-se redimido. Fixou residência. Passou a frequentar uma igreja evangélica.
Mais que um livro, Lolita fora seu companheiro de viagens durante 40 anos. Agora a estrada chegara ao fim. O livro precisava ser devolvido. Necessitava demonstrar a todos que estava regenerado, era homem cumpridor das leis, que estava reintegrado na sociedade. Que poderia olhar nos olhos dos vizinhos sem constrangimentos. John Smith voltara a ser um cidadão. A devolução seria o momento libertador.
O sábado chegou e o evento, dia do perdão, atraiu toda a população do vilarejo. O banjo, a gaita e o violino faziam a festa. Um misto de fotógrafo e jornalista registrava sorrisos de leitores que devolviam livros sem desmbolsar preciosos dólares.
Smith, retornando do culto, retirou o livro de dentro de uma sacola e, sob os flashes, entregou-o orgulhosamente à bibliotecária.
– Muito obrigado. O senhor é o mister John Smith, não é?
– Sim sou eu mesmo. É um alívio livrar-me deste pecado.
– Consta que, além de Lolita, o senhor ainda detém Memórias de uma Mulher de Prazer – Fanny Hill de J. Cleland; O Amante de Lady Chatterly de D. H. Lawrence; Trópico de Câncer de Henry Miller; História de Ó, de Pauline Reage além de Justine e Filosofia na alcova do Marquês de Sade. O senhor continua pervertido!




Texto não publicado no Correio Braziliense. Nem na Folha, no Globo, no Estado ou Zero Hora.


Este é o sétimo conto semanal dentro do projeto Minha versão, com tema originado por notícia do Correio Braziliense. Hoje enviarei os textos aos editores para avaliar a data do meu ingresso remunerado em uma redação. O colunista esperto sabe que o diagramador tem ordens de guilhotinar textos maiores que a coluna. O texto, de 2959 caracteres, no mínimo, e 2997, no máximo, sempre estará disponível antes das 18h das quartas-feiras.


15 setembro 2010

De repente, outra língua



“Britânica passa a falar com pronúncia francesa depois de uma série crise de enxaqueca. Kay Russel conta como foi se descobrir com a chamada síndrome do sotaque estrangeiro. Doença é uma desordem neurológica que provoca alterações na fala.” CB – saúde 14/09/2010


De médico e louco cada um tem um pouco. James, o cabeludo, de doutor e doido, tem tudo.
Nosso protagonista folheava a revista Science na biblioteca do Instituto Moscovita de Línguas, em Londres, enquanto aguardava o sinal tocar para se dirigir à sala de aula. Era aluno em aulas de russo. Estava insatisfeito com a vida, com a profissão de psiquiatra. Pensava em morar em outros países. Foi aí que, leu o artigo curioso onde uma mulher durante a segunda guerra, sob bombardeio, teve uma lesão cerebral e subitamente passou a falar norueguês com sotaque alemão.
Eureka! Gritou comprometendo o silêncio bibliotecário. Eureca significa descobrir, em grego. James descobriu a sua felicidade. Decidiu ser especialista em distúrbios psicoterápicos ligados à síndrome do sotaque estrangeiro.
Mudou-se para Newcastle uma cidade medieval a 280 milhas ao norte. Estudou com afinco e depois de pouco tempo pendurou orgulhosamente o diploma na parede de um consultório em Nova Iorque.
Rapidamente descobriu que o elevador não parava no seu andar. O elevador funcionava, mas nenhum paciente descia naquele andar. Apenas 100 casos foram reportados na literatura científica.
O que fazer?
Não adiantaria publicar anúncios no jornal para aumentar a clientela. Mais pessoas precisariam ser acometidos do mal da fala. Resolveu agir.
Conseguiu uma licença especial para trabalhar num centro de pesquisas hospitalares.
James oferecia líquidos brilhantes aos pacientes esquizofrênicos, injetava substâncias radioativas em diabéticos, ministrava choques elétricos em cardíacos. Fazia cócegas em quem apresentasse o transtorno obsessivo compulsivo. Os resultados, porém, só começaram a aparecer quando começou a praticar cirurgias cerebrais. Especificamente na parte inferior do córtex somatosensorial, aquele situado entre córtex motorial e o córtex associativo. Encontrou uma pequena saliência semelhante a uma pinta, um botão. Este ponto, ao ser pressionado, ligava o paciente em outros idiomas.
O primeiro foi um nova-iorquino branquelo. Sofria de dificuldade de expressão no âmbito interpessoal. Ao ter o botão acionado continuou tímido e lento, mas cantou um reggae em jamaicano legítimo mesmo sem fumar nada diferente.
Outra cobaia foi um baiano perdido na América. Antes da operação chamou o médico de meu rei. Após a intervenção chamou-o Maradona. O sotaque era argentino.
Praticou muitas cirurgias. O número de casos com a síndrome do sotaque estrangeiro explodiu. Começou a ter pacientes na fila de espera do consultório.
O resultado cirúrgico mais inesperado foi com uma texana. Para o espanto de todos, após o botão apertado, a mulher ficou silenciosa. Mas gesticulava muito. Passou a falar a linguagem dos mudos. Em vietnamita!



Texto não publicado no Correio Braziliense. Nem na Folha, no Globo, no Estado ou Zero Hora.

Este é o sexto conto semanal dentro do projeto Minha versão, com tema originado por notícia do Correio Braziliense. Breve enviarei os textos aos editores para avaliar a data do meu ingresso remunerado em uma redação. O colunista esperto sabe que o diagramador tem ordens de guilhotinar textos maiores que a coluna. O texto, de 2959 caracteres, no mínimo, e 2997, no máximo, sempre estará disponível antes das 18h das quartas-feiras.

08 setembro 2010

O veado chinês e o pangaré brasileiro


"Um veado na China está viciado em cerveja. O animal, que vive em um resort em Weihai, na província chinesa de Shandong, começou a beber quando Zhagn Xiangxi, uma das garçonetes do hotel começou a servir-lhe cerveja. De acordo com o Daily Telegraph, ao limpar o restaurante, Zhang achou uma garrafa cheia de cerveja e a serviu ao bicho, que bebeu tudo. Desde então, ela tem servido a bebida ao animal, que agora se alimenta diariamente com duas garrafas da bebida." CB – Você sabia... 06/09/2010

Severino pensou em Troque Totroque, quando viu as imagens na televisão de um veado tomando uma cerveja, de golada, diretamente do gargalo sem desperdiçar uma gota e que ao final, lambeu os beiços como se fosse um guardanapo.
Troque Trotoque era um pangaré que puxara carroças por toda uma vida. Tudo o que sabia aprendera nas ruas. Agora estava velho. Fora aposentado depois que começou a mancar por ter se cortado ao pisar numa lâmina afiada.
Somente um observador, como Severino, perceberia que o cavalo ora mancava com a pata dianteira esquerda e hora com pata dianteira direita. Apesar da pouca cultura, Severino achava que Troque deve ter pertencido à troupe da companhia do Teatro Brasileiro de Comédia, do Paulo Autran, Adolfo Celi e Tônia Carrero. Era um ator de primeira linha.
Severino se dizia proprietário de um quiosque de alimentos e bebidas para transeuntes. Popularmente o barraco do infeliz era chamado de copo sujo. Vendia pastéis fora do prazo de validade, pães de queijo empedrados, cachaça sem rótulo e cerveja morna. Tudo empoeirado.
Por destino, ambos conviviam no mesmo espaço. Troque, depois que ganhara a liberdade, mastigava o mato seco e o lixo da vizinhança e opinava sinceramente sobre a qualidade do futebol praticado no campinho esburacado estercando sob a trave. O problema é que a qualidade duvidosa das refeições provocava muita sede e a coloração escura da água do córrego não era muito convidativa.
A única forma de beber alguma coisa era se apresentar na parada de ônibus. Fazia embaixadas com uma bola de meia, cuspia fogo ou mostrava a pata ensangüentada para esmolar uns trocados. Trocava tudo por uma cerveja no boteco do Severino.
Quando estava muito cansado de se exibir nas paradas de ônibus reunia-se aos colegas aposentados e jogava damas em uma das mesas metálicas do boteco do Severino. Por ser esperto com as pedras sempre ganhava o suficiente para pagar a própria bebida.
Depois do noticiário, Severino contou ao amigo panga o que tinha visto na tevê. Troque, que já tinha tomado quatro cervejas, irritou-se muito com a comparação. Em tom provocativo, lembrou que jamais bebeu um copo por conta da casa. Nem uma branquinha sequer. Que nunca, mas nunca mesmo, pendurou qualquer conta. Que era freguês que merecia respeito pela assiduidade e comportamento ilibado. Meteu um coice na placa do FIADO SÓ AMANHÃ. Puxando da faca, completou dizendo que poderia ser chamado de fedido, de maltrapilho, de sujo. Até pinguço. Mas veado, jamais.



Texto não publicado no Correio Braziliense. Nem na Folha, no Globo, no Estado ou Zero Hora.

Este é o quinto conto semanal dentro do projeto Minha versão, com tema originado por notícia do Correio Braziliense. Breve enviarei os textos aos editores para avaliar a data do meu ingresso remunerado na redação. O colunista esperto sabe que o diagramador tem ordens de guilhotinar textos maiores que a coluna. O texto, de 2959 caracteres, no mínimo, e 2997, no máximo, sempre estará disponível antes das 18h das quartas-feiras.

03 setembro 2010

Não foi reeleito

Pudera!
O deputado era tão ruim de serviço, mas tão ruim, que cobrava só 5% de comissão.

01 setembro 2010

Endereços que ninguém encontra

“Com poucas placas de sinalização e identificação de lugares, região pertencente a Águas Claras traz dor de cabeça aos moradores, que encontram dificuldade em receber correspondência, contas e até visitas.” CB – Areal 28/08/2010

Três batidas secas com o nó do dedo médio no vidro do carro acordaram Antônio Rezende P. Silveira. O sol começava a se esconder atrás de alguns barracos de madeira. O vento frio uivava no meio da poeira.
O fiscal da receita estadual empurrou um boleto de cobrança de IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano – janela adentro.
Com a cara amassada de um dia mal dormido Antonio reclamou que não entendia aquela cobrança.
– O senhor está morando neste lugar há uma semana, fixou residência, logo deve pagar o IPTU.
– Eu estou perdido.
– Não tem dinheiro para pagar?
– Vim para este maldito lugar e não encontrei o endereço para entregar uma cesta de café da manhã. Procurei, procurei e rodei tudo que é rua. Depois deu o desespero e tentei encontrar a saída. Aí acabou a gasolina. Ninguém sabe que rua é essa! Estou perdido neste fim de mundo.
***
A Companhia de Eletricidade terminou de plantar oito postes de iluminação sob o olhar atento de José de Arimatéia Rodrigues. É a primeira rua do bairro onde as mariposas podem enlouquecer em volta da lâmpada.
– Eu gostaria de agradecer o trabalho de vocês. Ficou brilhante.
– Agradeça ao Deputado Chico Daluz.
– Hoje mesmo falarei com o filho dele que mora naquela casa, na rua vizinha.
– Na outra rua? Não é aqui? Virgem Maria! Erramos a rua!
***
Por causa de histórias como essas a comunidade, liderada pela parteira Mari Help e pelo escriturário Jotabê, convocaram a população para uma reunião e colocaram em discussão os nomes das ruas.
A babilônia das ruas marcou presença na reunião.
– Vamos colocar nomes de países? Noruega, Alemanha, Estados Unidos, Suíça, Inglaterra. Quem sabe essas nações adotam nossas ruas?
– Duque de Caxias, Almirante Tamandaré, General Mascarenhas de Morais, Marechal Deodoro foram as opções do major aposentado.
– Acho que devemos valorizar a nossa terra, nosso povo, nossas origens. Proponho botocudo, tupinambá, nhambiquara, goitacaz, tremembé.
– Você gosta de polissílabos! Prefiro nomes mais curtos!
O contador sugeriu numerar as ruas. A bibliotecária contestou sugerindo uma codificação alfanumérica.
A mocinha apaixonada levantou a mão pedindo a palavra e opinou Avenida do Amor, Alameda da Saudade, Rua do Aconchego, Praça dos Sonhos, Esquina do Flerte, Travessa Abraço Feliz...
– E as minorias? Agora é lei. Temos que reservar espaço para eles. Rua dos Deficientes Auditivos, Quadra da Melhor Idade, Ladeira dos Cadeirantes...
– Proponho o nome do ilustre presidente, do dinâmico governador, dos nobres senadores, de alguns devotados deputados. Do nosso querido prefeito!
– Aí, seu baba-ovo, não se esqueça do nome da avó!
– Acalma! Sossega! Aquieta!
– Isso é nome que se apresente?
– Não são nomes de rua, apenas estou pedindo paz aos exaltados.
A reunião terminou em beco sem saída.


Texto não publicado no Correio Braziliense. Nem na Folha, no Globo, no Estado ou Zero Hora.
Este é o quarto conto semanal com provocação originada por notícia do Correio Braziliense. Vencido o prazo de experiência os redatores do jornal receberão os textos para avaliar a data do meu ingresso remunerado numa redação. O colunista esperto sabe que o diagramador tem ordens de guilhotinar textos maiores que a coluna. O texto, de 2959 caracteres, no mínimo, e 2997, no máximo, sempre estará disponível antes das 18h das quartas-feiras.

25 agosto 2010

Banco chinês devora moedas e machuca fundos


“Os chineses da província de Shangdon terão de pagar para sentar em bancos do Parque de Yantai. Eles vem com uma espécie de pinos pontiagudos que só se retraem quando o usuário coloca moedas em uma caixa instalada debaixo dele.” CB – Você sabia... 23/08/2010


Construa a cena de um domingo numa praça de cidade do interior. O sino chamando para a missa. Um casal de velhinhos, silenciosos, de mãos dadas, sentados no banco, de frente para o coreto. Na sombra de uma jaqueira, um balão de gás, vermelho, amarrado no carrinho empurrado pela mamãe. Uma menininha de vestidinho branco, com a boca lambuzada de sorvete, brincando com uma formiga no chão. Um cachorro deitado na grama com a cabeça entre as patas. Uma abelha escolhendo uma flor. Os vendedores de balão, sorvete e bolas agrupados na esquina da avenida. A cidade deve ter uns 30 mil habitantes. Tudo muito calmo e sereno como as nuvens brancas estacionadas no céu azul.
Pois a história em questão aconteceu na China e não aqui. Lá é tudo muito semelhante. Ou quase. A cidadezinha do interior deve ter uns 30 milhões de moradores, todos com os olhinhos semicerrados e falando uma língua que nós não entendemos. Provavelmente a plaça tenha uma igleja, um coleto e gente em plofusão. – isso é brincadeira de contador de histórias provocando leitores.
A praça de Chan Ti Li fica no topo da cidadezinha de Mo lan Go e está sempre lotada de gente. Precisaram colocar um placar luminoso limitando o número de pessoas.
HÁ VAGAS PARA DOIS ADULTOS E UMA CRIANÇA OU UM GORDO E UMA CRIANÇA.
A situação beirava o caos. Para aumentar a área útil aos cidadãos, o administrador do parque eliminou todos os espaços onde havia grama, substituiu-os por um cimentado verde. Quase todas as árvores foram retiradas. Em compensação plantou postes para que a população pudesse se revezar e praticar passeios noturnos.
Os recursos para a manutenção da praça provinham de máquinas de refrigerante adaptadas para grãos de milho. Por algumas moedas, se recebia um copo para alimentar pombas. Com o passar do tempo as aves sumiram, porque deixou de haver pista suficiente para pousos e decolagens.
Necessitando de caixa, o criativo administrador readaptou os caça-níqueis aos banheiros públicos. Logicamente a queixa dos usuários era esperada. Surpreendeu-se, porém, ao descobrir que a população, por falta de outro lugar para sentar, usava os banheiros para descansar as pernas.
Empreendedor, rapidamente inventou bancos com limitadores de tempo. Da forma descrita no jornal. Mesmo contrariados, os habitantes da Shangdon sentaram-se. A novidade, entretanto, mudou hábitos de tal sorte que o ganancioso administrador despertou para mais uma forma de arrecadar dinheiro fácil: alugava pequenos fones de ouvido que emitiam sinais sonoros 30 segundos antes dos bancos cutucarem as bundas distraídas. Lucrou mais ainda no aluguel dos fones para a garotada que pagava mais e adorava saber, com antecedência, qual velhinho iria pular com pontudas cutucadas.


Texto não publicado no Correio Braziliense. Nem na Folha, no Globo, no Estado ou Zero Hora.
Outra notícia do Correio Braziliense provocou o terceiro conto semanal. Logo logo vários editores receberão os links para avaliar meu início remunerado no quadro dos colunistas. Sei que texto entregue após a hora é o mesmo que texto não escrito por isso sempre estará disponível antes das 18h das quartas-feiras.

18 agosto 2010

Delivery para ladrões de carros


“Com um kit de adulteração a tiracolo, Carlos Alberto Nascimento, 35 anos, fazia serviços de falsificação de veículos em domicílio.” CB – Crime 13/08/2010


– Alô. Eu queria falar com o seu Nascimento.
– Pois não. É o Nascimento ao vivo e em cores.
– Eu encontrei seu número no caderno de classificados e gostaria de saber como funciona o seu serviço.
– Eu esquento carros.
– Isso eu entendi. Mas no que exatamente consiste o seu trabalho?
– Em primeiro lugar eu lixo à máquina os números do motor, câmbio e carroceria. Depois gravo novos números com a minha puncionadora de caracteres alfa numéricos. Em seguida uso um processo químico para remover os números dos vidros do carro antes de aplicar os adesivos com a nova numeração. Também troco as placas dianteira e traseira.
– E os documentos?
– O senhor me interrompeu! Eu estava dizendo que para finalizar, imprimo o novo DUT e certificado já com o carimbo de quitação.
– Qual é o endereço?
– É muito perigoso andar por aí com carro roubado. Vai que a polícia pega. Eu é que vou até aí.
– O senhor faz o serviço de legalização em fusca?
– Meu amigo, trabalho em qualquer tipo de veículo. Fusca é muito fácil, mas não vale o meu tempo. Cobro mais pelo meu serviço do que vale um carro velho como esse. Fusca é para iniciantes. Meu negócio é caro prateado... importado. Me poupe. Tchau, mano!
O telefone volta a tocar.
– Sim, sou eu, Nascimento. Pode falar.
– Descolei dois carrões e preciso entregar urgente. Tu pode vir hoje?
– Tá dificíl. Tô com a agenda cheia. Já são três horas e ainda tenho outro na fila. Ainda bem que é pertinho. Amanhã e quinta não vai dar. Só tenho um horário na sexta à tarde. Onde que é?
– Só sexta? É aqui na Ceilândia.
– Ceilândia! Já te falei, tô fora! Agora só atendo doutor. Só trabalho no Plano Piloto e Lago Sul. Conheço dois delivery na Ceilândia. Quer o número?
Em menos de dois anos de esquentamento de carros frios, Nascimento treinou e uniformizou dois auxiliares para atender a demanda. Em vez de moto atendia com uma van importada. O volume de serviço crescia rapidamente. Nem precisou fazer marketing. A propaganda era na base do boca-a-boca. Trabalho gabaritado, limpo e preciso. Terminava em no máximo 45 minutos. Tudo transcorria às mil maravilhas. Cogitava em abrir filial no Rio de Janeiro e em São Paulo. Contratou um despachante para legalizar a empresa. Estava preocupado com as altas taxas de impostos.
Uma tarde, após muita insistência resolveu atender um cliente novo, doutor Azevedo, muito falante e que parecia ser do ramo. Abriu um espaço na agenda e ainda brincou dizendo que fazia como os médicos: era um encaixe. Só foi porque o cliente garantiu ter um galpão lotado de carrões pouco rodados à espera de um bom profissional.
Apesar da vontade, o delegado não podia prender Nascimento. Além das cadeiras velhas e obsoletas máquinas de escrever, as viaturas da delegacia sequer tinham combustível para se locomover. Foi aí que o delegado Azevedo teve a idéia de chamar Nascimento para uma cilada.








Texto não publicado no Correio Braziliense. Nem na Folha, no Globo, no Estado ou Zero Hora.
Leia o segundo conto semanal originado por notícia publicada no Correio Braziliense. Em prazo curto enviarei os textos para diversos editores para avaliar a data do meu ingresso no quadro dos colunistas. O texto, de 2959 caracteres, no mínimo, e 2997, no máximo, sempre estará disponível antes das 18h das quartas-feiras.

11 agosto 2010

Recenseador perde boné e a coragem

“Grupo de 360 pesquisadores faz censo da vida marinha em todo o planeta e revela parte da riqueza de um mundo ainda misterioso.” CB – Ciência 03/08/2010


José Osmar Clarindo foi o quinto colocado no concurso nacional para agente censitário do IMGE, o Instituto Marinho de Geografia e Estatística. Finalmente chegou o seu primeiro dia como recenseador das águas ensolaradas do Atlântico brasileiro.
Recebe um colete com o logotipo do IMGE estampado no peito, crachá, um computador portátil além, naturalmente, de todo o equipamento para mergulho.
O dia de Jotaô não é um mar de rosas. Começa com problemas de locomoção sem vale-transporte e a descoberta que não há linhas regulares de ônibus para a região para onde foi escalado. Teve que pedir carona a um barco pesqueiro.
Conferiu e confirmou a exata localização com um pequeno GPS. Apertou a campainha da primeira porta que encontrou pela frente. Foi atendido por uma estrela marinha com um monte de bobis no cabelo oxigenado. Esta informou que naquele domicílio morava com o maquiador e seis filhos. Tres dela, um dele e outros dois, menorzinhos, em conjunto com o namorado. Informou que era atriz desde pequena e que fez a primeira ponta num comercial para pasta de dentes. Seu nome era Marynalva Souza Ferreira, mas que no formulário preferia Marylin di Mônaco.
Em seguida entrevistou a quelônia Affonsina Austragésila Clementina Teóphila Junqueira conhecida por Tatá. Negou que o apelido era uma forma carinhosa por ser uma tartaruga. O tataraneto a chamava assim. Na hora de preencher o quadradinho com a idade, duvidou quando ela disse ter 278 anos. Mulheres costumam mentir, reduzindo a idade.
– E a casa?
– Olhe para mim – mostrou um anel de diamantes – e diga se tenho cara de quem tem imóvel cedido ou alugado? É apertado, mas é meu.
– Quantos quartos? Quantos banheiros? A senhora tem televisão, geladeira e aspirador de pó?
Dona Tatá achou tudo muito indiscreto. Quando perguntada se morava sozinha, fingiu atender uma chamada ao telefone, pediu licença e terminou a conversa.
A manhã avançava rápida e ainda precisava preencher seis formulários para atender a meta diária imposta pelo IMGE.
Já começava a decorar as perguntas. Nome, idade, quantos moravam naquele domicílio? A casa tem energia elétrica? O lixo é recolhido, queimado ou jogado no mar? Tem rede de abastecimento de água ou a água vem do poço ou de algum do rio?
O próximo endereço era soturno. Ouviu latidos antes de ler a placa que avisava peixe bravo. Consultava o relógio, 12h25, quando a porta se abriu e um enorme tubarão branco abriu a porta. A fera estava com um garfo na nadadeira direita, uma faca na esquerda e um guardanapo amarrado no pescoço.
Com voz de trovão cumprimentou amistosamente:
– Veio em boa hora, amigo. Vamos entrar! Vou começar meu almoço agora.
Na fuga rápida largou o laptop e o boné caiu da cabeça.
Estas águas ainda guardarão muitos mistérios. Precisou voltar para a superfície, faltou-lhe oxigênio para terminar a pesquisa.


Projeto colunista. Correio Braziliense? Folha? Globo? Estadão? Zero Hora?A partir de hoje escreverei um conto semanal com tema originado em notícia do Correio Braziliense. Quando tiver material suficiente para avaliação os editores de diversos jornais receberão os textos para avaliar a data do meu ingresso remunerado na redação. Com 2959 caracteres, no mínimo, e 2997 no máximo, o texto sempre estará disponível antes das 18h das quartas-feiras.

06 agosto 2010

Cria da Cidade: Brincalhão das palavras


Brasília, quinta-feira, 05 de agosto de 2010

Por Sérgio Maggio
sergiomg.df@dabr.com.br

Foto: Edilson Rodrigues/CB/D.A Press - 5/10/09

O cronista Roberto Klotz quis gravar o Cria da Cidade na Concha Acústica. O motivo: o pôr do sol deslumbrante. Chegamos lá e os portões estavam fechados. O vigilante não tinha ordem para permitir a entrada de estranhos. Já estávamos pensando em outra locação, quando o escritor de gogó afiado convenceu o rapaz da “importância cultural (e pessoal) de utilizar aquele espaço”. Pois bem: como num passe de mágica, os portões se abriram, confirmando a fama de “bom de papo” que cerca o autor de Pepino e farofa, um divertido livro de historietas cotidianas, nascidas na cozinha de sua casa.

— Nada como abrir o coração. Era muito importante para mim estar neste lugar, quero inclusive aproveitar a acústica natural na hora de recitar as minhas crônicas, revela.

E foi exatamente assim. Os bancos vazios da bela Concha Acústica serviram de caminho para ele circular espalhando palavras. O escrito de Roberto Klotz é cheio de humor e de imagens. Olha só como ele se define: “Roberto Klotz é um engenheiro que saltou do topo do prédio recém-construído e estilhaçou-se em parágrafos. Nasceu no século passado. Bem-humorado, crítico, vacinado, analfabeto, irônico, paulistanamente candango”.

Em Brasília, entrosou-se com o meio literário. Fez isso comparecendo a todos os eventos e saraus do DF. Onde tinha escritor reunido, Klotz estava lá. Se a mesa-redonda era sobre literatura, estava presente na plateia. Até que, um dia, trocou de posição. Quando viu, estava no palco a falar de suas crônicas ligeiras, que nasciam com a observação do cotidiano.

— Fui virando um escritor. O engenheiro ficou de lado, lembra.

Já no segundo livro, Quase pisei!, Roberto Klotz configura-se como um brincalhão das palavras. Essa obra nasceu porque um médico o obrigou a andar para que ele perdesse peso. “Durante as caminhadas, encontrei elefante, lâmpada mágica, cão bravo, pegadas de onça, muito cocô e 45 motivos para exercitar o bom humor em Quase pisei!”, espalha em seu irreverente release.

ANOTE AÍ

Roberto Klotz tem um blog (http://robertoklotz.blogspot.com). Lá, é possível adquirir os seus livros a R$ 28 e acompanhar os post.

Assista ao Cria da Cidade com Roberto Klotz, hoje, a partir das 17h, no Correio Notícias, com apresentação de Maria Julia Monteiro.


 
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