01 outubro 2008

Sob as ondas do mar



As profundezas do oceano sugerem frio, escuridão, tristeza, silêncio, trevas e claustrofobia. Exatamente o oposto do que acontece na Atlântida. Dentro da enorme bolha submersa vive um povo dançante, iluminado, extrovertido, corajoso e autoconfiante.

A enorme ilha afundou intacta num terremoto de outras eras. Intactos também ficaram a pirâmide, a ciência e a filosofia dos habitantes daquele pedaço de terra afastado do mundo.

Ao naufragar, arrastou consigo uma enorme bolha de oxigênio e quando tocou o fundo do mar desencalhou uma jazida de rocha de fogo. As pedras irradiavam luz e calor. Em pouco tempo os trabalhadores grudaram milhares de fragmentos da rocha na superfície da abóbada que se transformou em céu de lua cheia. Os cientistas desenvolveram sistemas de irrigação e colheita para as terras férteis. Graças à comida fácil e abundante os ilhéus aplicaram o tempo disponível na educação e na cultura. Ampliaram conhecimentos e retiraram energia a partir do movimento do mar. Em algumas gerações de união, perseverança e isolamento construíram uma fabulosa e fantástica vila. Todos moram em casas espaçosas, ventiladas e iluminadas. A pirâmide é reservada ao comandante e aos cientistas, a elite de Atlântida. As máquinas realizam todos os serviços desagradáveis ou que demandam esforço físico. Tudo é meticulosamente organizado e limpo. Tampouco há desperdício. Iluminação, transportes e comunicações funcionam com precisão e pontualidade. Os atlantes têm uma vida confortável.

Os trabalhadores são muito animados. Amam as segundas-feiras, o único dia em que podem sair da bolha, após a ginástica, para colher algas e crustáceos. Dedicam três dias ao desmonte de navios e aviões e à manutenção dos equipamentos da bolha e enquanto os três dias restantes da semana são destinados à música e à dança. Os cientistas preocupados com o bem estar da população temem que alguma revolta por mais espaço e por mais filhos resulte no fim da qualidade de vida. Formularam as leis decretadas pelo comandante. Leis inflexíveis e severas. Todos devem que segui-las à risca de pesados castigos. À distância Atlântida parece ser o Éden. Não é.

O problema de Atlântida é o espaço fisco. Conforme os estudos e a experiência chegaram à conclusão que o limite máximo é de 5.000 habitantes sob pena de perda na qualidade de vida. Sempre que a cifra tétrica é atingida, alguém deve ser sacrificado. E esta escolha é decidida entre as paredes da pirâmide. Os cientistas se preocupam com a melhoria genética. Os escolhidos invariavelmente são portadores de alguma deficiência. No passado, a miopia ou a calvície justificavam a sentença. Devido às inúmeras uniões consangüíneas dentre a pequena população, mais recentemente a situação se agravou com o surgimento de uma misteriosa doença que, paulatinamente, enrijece e enfraquece primeiro pernas e depois braços, além de afetar a postura em geral e, em menor intensidade, a visão e a fala. Todos são alegres, todos dançam, porém os sacrifícios são constantes e ultimamente afetam inúmeros recém-nascidos. A música diminuiu o volume.

A solução, todos sabem, está acima da superfície do mar. Há três séculos capturam navios e mais recentemente fisgam também aeronaves que trafegam na região conhecida por Triângulo das Bermudas. Exceto homens, aproveitam tudo que encontram nas embarcações. Documentos, metais, combustíveis e alimentos. Os navios e aviões invariavelmente têm tripulação masculina o que levou os cientistas, nos últimos 50 anos, a desenvolverem técnicas de retirada de sêmen para inseminação artificial visando à melhoria genética do povo submerso. A solução é paliativa. A única saída para a salvação de Atlântida é o aumento da área. É a conquista de novos territórios.

Com a captura das aeronaves atuais, os cientistas confirmam a evolução muito grande dos terráqueos. Breve, muito breve, eles, os homens da superfície, terão condições de localizar a bolha e descobrir onde são desmontados os jatos. Saberão onde está e quem a habita. Não os deixarão em paz. Enviarão sondas e submarinos. A bolha será furada. Será a destruição. Será o fim.

O comandante, apoiado pelos estudos dos cientistas, reúne a população para, num discurso, informar que é chegada a hora de sair da defensiva e partir para a ofensiva. Confirma o sucesso absoluto do último teste realizado na região da Indonésia onde uma ilhota foi afundada trazendo consigo uma bolha de oxigênio. A ilha pousou suavemente no fundo do oceano exterminando todos os habitantes com a elevada pressão. Cem trabalhadores serão contemplados para fazer a viagem exploratória para conhecer nosso triunfo. Estes felizardos também terão a oportunidade de comprovar como os terráqueos são uma ameaça pelo modo como se refizeram da tsunami e rapidamente repovoarem toda a região afetada.

O comandante continuou o discurso com palavras sobre o futuro. Precisamos abalar profundamente o poder e a força dos seres da superfície além de provocar enormes baixas na população. Confirmo o fim dos testes, comprovamos nossa capacidade de provocar uma bolha do tamanho da nossa necessidade. E, por questões estratégicas planejamos duas novas moradias para o povo atlante. Ao afundarmos as ilhas simultaneamente, provocaremos ondas gigantes para abalar todos os poderosos do planeta. Afundaremos Cuba e Hondo, a maior ilha do Japão.

A contagem regressiva para a nossa expansão começa agora. Viva!


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