Li duas vezes. E, apesar de não ser espelho, refleti que não sou mãe, que meus filhos estão reunidos comigo e que eles não cometeriam tantos crimes ao vernáculo em apenas uma linha. Conclui que aquela mensagem não era para mim. Era um engano. Deixei por isso mesmo. Hoje, segunda-feira, recebo outro torpedo telefônico:
“Vo almoca com uma amigas”
Pela linguagem capenga, julgo que seja a mesma pessoa. Ameaço ignorar, entretanto a ironia coçou e se fez presente.
“Você já almoçou. Comeu um U, uma cedilha e um S.”
Enviei e, para surpresa minha, veio a resposta:
“Nao fui ainda”
Achei que eu não deveria ser desagradável só porque ela comeu, de sobremesa, o til.
No final do expediente, o pessoal do trabalho parou para tomar um cafezinho. O assunto poderia ser a derrota do Flamengo, poderia ser mais um flagrante de corrupção na cúpula do governo ou até a nova cor vermelha da cobiçada secretária Shirlei. Mas não, o assunto é o mesmo que toda a imprensa escrita e televisiva traz em manchetes nos últimos dez dias: o vôo fatal da menina lançada pelos próprios pais através da janela do sexto andar. Adultos, crianças e velhos, todos estamos chocados por mais uma tragédia. A história é esmiuçada em detalhes sórdidos. Uma criança indefesa é espancada e asfixiada justamente por aqueles que deveriam dar conforto e segurança. O local do crime é a própria moradia, o lugar onde seria seu porto seguro. A verdadeira mãe não demonstra a dor desesperada pela perda da filha. Há provas da premeditação de crime devido ao corte da tela de proteção da janela antes do arremesso. O terrível estigma de ódio e ciúmes de uma madrasta pela enteada é resgatado e multiplicado. O choque de imagens da família feliz nas horas que antecedem o crime se superpõe ao cadáver da criança na grama. Aparentemente não há indícios que outras pessoas estievesem no apartamento na mesma hora da bárbarie. De onde, facilmente, qualquer leigo, conclui que os assassinos só podem ser os próprios pais. O crime aconteceu na última sexta-feira do mês de março e até agora a polícia ainda não divulgou o nome dos criminosos. Meia centena de pessoas foi interrogada. Os pais foram presos por flagrante e soltos por habeas corpus. Quase linchados e presos novamente. A população tem ânsias de justiça. Tudo parece óbvio. Mas não é. Se a justiça brasileira não está externando os resultados das investigações é porque deve haver outras razões misteriosas e ocultas. Talvez o pai seja um agente russo infiltrado no Edifício London. Talvez a perícia tenha descoberto um túnel subterrâneo ligando o apartamento a uma agência do Banco do Brasil localizada a apenas três quadras de distância. Talvez os pais da Isabella quisessem enviar a filha para estudar no exterior. Talvez a madrasta tenha contribuído com enormes somas de dinheiro, oriunda de lavagem de dinheiro, para a campanha eleitoral de um deputado influente. Talvez o casal faça parte da rede de internacional de traficantes de cocaína e por isso tenha proteção de algum governo vizinho com o qual nosso país deseja manter as ótimas relações. Não, nem eu, nem ninguém, consegue inventar qualquer desculpa plausível que justifique a não acusação formal do casal. No nosso país ninguém, que não tenho bons advogados, é incriminado. Brasileiros não punem falta de respeito, falta de ética ou de moral e a conseqüência é a impunidade também para todos os tipos de crimes. As autoridades mentem, ameaçam, chantageam, insultam, enriquecem de ilícitos e não são castigados. São os nossos exemplos. E, daqui a quinze dias, ao final do expediente, no cafezinho discutiremos como fomos obrigados a acreditar que a pequena Isabella caiu da janela ao tentar pegar um vaga-lume que pisca-piscava alegria e inocência. Agora só falta Isabella cair no esquecimento.
No intervalo entre uma crônica e um conto de Machado de Assis, durante a oficina literária, levantei-me e servi ao grupo umas fatias de pão caseiro trazidas de casa.
Dizem que tenho que sair da minha zona de conforto, sempre escrevendo crônicas bem humoradas. Foi exatamente o que resolvi fazer. Não levei nenhuma crônica para o encontro. Saí do escritório e fui à cozinha. Deixei meu público restrito e atirei-me às massas. Massa de pão mais especificamente. Levei dois recipientes com 16 contadas fatias de pão. Destampei ambos e estendi para o grupo da esquerda e logo em seguida ofereci para o grupo da direita.
Na verdade devo informar aos leitores que era à minha direita ou à minha esquerda, ninguém ali estava preocupado com posições políticas. Machado ensinou-nos que às vezes devemos lembrar ao leitor que ele não faz parte da história, para ele não se condoer de dores por algum personagem e também que não adianta salivar, pois não vai provar nenhuma fatia do cheiroso pão que está sendo compartilhado por vorazes bocas famintas de onze horas da manhã.
Aos olhares femininos, preocupados com a redonda forma, do pão, é lógico, externei, brincalhão, que aquele alimento era light. Em vez das previstas três xícaras de óleo na receita, eu havia colocado apenas meia xícara.
Mais importante que a receita é o momento certo e modo certo de servir. O momento é bem próximo da hora do almoço e a quantidade deve ser tal que todos possam provar, mas apenas alguns possam repetir. O que deixará em todos a sensação de desejo não totalmente satisfeito. A sensação do prazer, próximo do orgasmo, porém sem o gozo.
O mestre, na posição de líder, deu-se ao direito de comer uma segunda fatia para retornar energizado a leitura de outra crônica. Saboreamos Machado enquanto o odor do pão fresco ainda persistia no ambiente e nas mentes.
Ao final da aula, desta vez, não ouvi nenhuma crítica em relação aos meus textos. Nem positiva nem negativa. Várias colegas, gentilmente pediram a receita. Percebi como elogio ao meu trabalho.
Reparei que o professor correu para pegar a derradeira fatia. Foi meu melhor elogio, o gesto demonstrou que gostou de eu ter saído da minha zona de conforto.
Os ingredientes:
2 tabletes de fermento biológico (30g) – utilizei 3 envelopes de 11g com validade vencida e mesmo assim deu certo
1 colher (sopa) de açúcar
1½ xícara de água morna
½ xícara de óleo
1 embalagem de creme de cebola
3 xícaras de farinha de trigo
O modo de fazer:
Unte uma forma de pão. – É bom que a forma seja das grandes (28x11cm) porque a massa cresce um bocado e depois transborda no fogão provocando uma lambança federal além da fedentina de pão queimado. Na dúvida, use duas formas. Um pão você oferece na aula e a outro você come antes da aula
Em uma tigela grande, misture o fermento com o açúcar. Depois acrescente a água, o óleo e o creme de cebolas. Misture.
Adicione a farinha e misture até formar uma massa mole.
Preaqueça o forno em temperatura média – 180ºC
Ponha a massa na forma e deixe crescer por 30 min ou até dobrar de volume.
Leve ao forno por 25 minutos ou até dourar.
Tertúlias são o complemento ideal ao pão.
Quando for levar o pão para a aula não esqueça de deixar o recipiente semi-aberto para impregnar a sala com aroma de desejo.
Agora pisei - Quando caminho o mundo acerta o passo comigo. Tudo acontece, tudo vejo, tudo anoto. Nascem histórias curtas, criativas e com finais surpreendentes. Vi tubarões na calçada, telhas assassinas, a perda filosofal. 164 páginas a R$ 40, - dedicatória e correio nacional inclusos.
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Aprender a técnica literária potencializará seu talento. O conhecimento não serviria de nada para a pessoa sem talento, mas aumenta o alcance de quem a possui.
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Cara de crachá - São 44 histórias vivas, rápidas, inquietas. Capazes de renovar fígados envenenados com tristeza. O protagonista, von Silva, é envolvente. Com ele descobrimos oque há por trás do crachá de um funcionário público. De humor particular aponta o lápis na direção do cotidiano de um usuário de carimbos, há 35 anos na mesma repartição. Esse funcionário só podia mesmo ter Cara de crachá.
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Livro: Pepino e Farofa
Pepino e farofa são crônicas bem humoradas resultantes de 50 anos de inexperiência no comando de um fogão onde a comida é o prato principal.
No divã do psicanalista convence que o milho afasta a depressão e a solidão. Uma formiga em cima da bancada é motivo para uma fábula. Explica como um violão pode influenciar na preparação do almoço.
Só foi possível escrever o livro graças à minha mãe que, na infância, incentivou-me a brincar de carrinho em vez de comidinhas e panelinhas.
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Quase pisei!é um livro de crônicas com temática andante. Os mortais caminham, Klotz viaja na criatividade. Com escrita na primeira pessoa do singular, convence os leitores de que tudo é verdade e que aconteceu com ele. Também nos dá a impressão que o mundo só começa a acontecer quando calça o tênis e sai para a rua. Seu olhar de cronista sempre está atento através de lentes irônicas, bem humoradas e às vezes poéticas, quando coloca os óculos líricos. O entusiasmo e a alegria do autor são contagiantes.
160 páginas ao preço de R$ 30,00
Quer um livro(s)? Por favor, envie seu endereço para robertoklotz@gmail.com
Roberto Klotz é um engenheiro que saltou do topo do prédio recém-construído e estilhaçou-se em parágrafos. Nasceu no século passado. Bem-humorado, crítico, vacinado, analfabeto, irônico, paulistanamente candango. Suas histórias muitas vezes têm finais surpreendentes. Enquanto aprendia a cozinhar, escreveu Pepino e farofa, um livro de aventuras culinárias, engordou de tantas pizzas encomendadas. Para perder peso, o médico recomendou que caminhasse. Durante as caminhadas encontrou elefante, lâmpada mágica, cão bravo, pegadas de onça e 45 motivos para exercitar o bom humor em Quase pisei! A vida continua e aí, o álter ego, von Silva tornou-se personagem de Cara de crachá, um funcionário público que carimba bom humor dentro e fora do expediente.
De tantas anotações de oficinas literárias, ora sentado prestando atenção, ora de pé ministrando aulas, resultou o pedido de partilhar o conhecimento que gerou o Manual do escritor.
Conquistou mais de 40 prêmios literários. Foi Conselheiro de Cultura na Secretaria de Cultura do DF. É jurado de concursos literários e promove oficinas de escrita. Saltou do prédio por saber-se imortal. Ocupa uma cadeira na Academia de Letras do Brasil – DF.